Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Eduardo Simões dos Santos Mendes (ECA USP)

Minicurrículo

    Professor do Curso Superior do Audiovisual e membro do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

Ficha do Trabalho

Título

    Primeiras considerações sobre dramaturgia para VR

Resumo

    A partir de obras ficcionais criadas para VR, reflito sobre a inadequação da atual dramaturgia linear e com um único ponto de direcionamento do olhar e a necessidade de criação de uma nova dramaturgia que considere a circulação do espectador pelo espaço.

Resumo expandido

    Nos dois últimos anos, durante os congressos da CILECT (Associação Internacional de Escolas de Cinema e Televisão), tive a oportunidade de experimentar diferentes modelos e usos de realidade virtual (VR). Desde cavernas digitais criadas por artistas plásticos, instalações com capacetes digitais, games com capacetes ou óculos e fones e sempre com interfaces hápticas até uma experiencia de vôo como um pássaro, deitado de bruços numa máquina.
    Também havia muitos formatos e gêneros audiovisuais desenvolvidos para VR: Teasers de longas-metragens, ficções de curta-metragem, video-clips, animações e documentários; todos eles a partir de óculos e fones.
    A primeira constatação que se faz é a importância do som como orientador da narrativa e, consequentemente, do olhar. Já que nós, seres humanos, não temos visão de 360 graus, precisamos ser guiados para onde acontece a cena. Assim, evita-se que fiquemos girando sobre nosso eixo incessantemente atrás da informação.
    A segunda constatação é a transposição direta da atual dramaturgia ficcional audiovisual para VR. Todos as obras são pensadas em cenas para serem seguidas de forma linear e com o olhar preso em uma única direção, como numa tela de cinema. A cada fim de cena, o espectador é chamado pelo som a se virar para outro ponto cardial e acompanhar a próxima cena. Muitas das obras reforçam essa ideia da tela de cinema com a utilização de fades para o preto entre as cenas.
    O resto do campo visual possibilitado pelo VR, os outros 220 graus, não possui informação relevante. Apenas complementa o espaço diegético visual. O som segue este mesmo modelo. Não muito diferente do uso que se faz hoje dos canais de surround nos sistemas estereofônicos audiovisuais.
    Ou seja, a transposição direta do modelo de dramaturgia atual para o VR gera obras cuja diferença do cinema tradicional é a necessidade de se virar a cabeça, como se a ação saísse de um palco e continuasse em outro.
    Não se pode esquecer que a tecnologia desenvolvida para captação de imagens em VR parte de uma câmera capaz de captar imagens em 360 graus a partir de um único eixo colocado no centro do espaço da cena. Isso limita a imersão do espectador. Se estamos acompanhando um personagem andando na nossa frente, podemos nos virar para trás e ver o espaço que está às nossas costas porém, se quisermos ultrapassar o personagem para andarmos de costas vendo o seu rosto, nunca conseguiremos.
    No Congresso CILECT 2018, Ravindra Velhal, engenheiro da Intel especialista em VR e cinema imersivo, apresentou uma proposta de construção de um estúdio de captação com câmeras em 360 graus que permitirá que o espectador se mova livremente pelo espaço como em holografias.
    Essa nova proposta para VR obrigará a criação de uma nova dramaturgia que considere a circulação do espectador por esse(s) espaço(s). Acredito que já seja possível desenvolver no modelo presente de captação de imagens, dramaturgias que considerem o paralelismo de ações e não se prendam tanto à linearidade. Com o modelo proposto por Velhal, o modelo de tela única não mais cabe. A procura por uma dramaturgia própria do VR se faz obrigatória
    A linearidade talvez não seja o caminho a ser seguido. O desenvolvimento de obras criadas a partir de fragmentos, como um livro de Julio Cortazar e/ou a partir de ações paralelas em diferentes espaços ou mesmo em um mesmo espaço, expandindo as linhas narrativas distribuídas em diferentes profundidades do plano, como Robert Altman empregou em Nashville.
    Claro que mesmo com a construção dessa nova dramaturgia que permitirá uma maior imersão do espectador, faltará a interação. Os espectadores serão fantasmas que andam pelo espaço diegético apenas observando os personagens. Um resultado bastante limitado se pensarmos no uso que MMORPG já nos dá hoje com a mesma tecnologia.
    O que queremos mesmo é holodeck mas, por enquanto, há uma trilha a se percorrer no se contar histórias em VR.

Bibliografia

    Antônio Valério Netto, Liliane S. Machado e Maria Cristina F. de Oliveira. Realidade Virtual – Definições, Dispositivos e Aplicações. Revista Eletrônica de Iniciação Científica – REIC. Porto Alegre, 2002 vol.2, nº 2, p. 70-89
    Murray, Janet H. Hamlet no Holodeck. São Paulo, Editora Unesp, 2003.
    Pimentel, K. ; Teixeira, K. Virtual reality – through the new looking glass. New York, McGraw-Hill, 1995, apud Rodrigues, G. P.; Rodrigues, C. M. P.. Realidade virtual: conceitos, evolução, dispositivos e aplicações. Interfaces Científicas – Educação. Aracaju, vol. 1 nº3, p. 97-109, junho de 2013.