Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Juliano Gomes (UFRJ)

Minicurrículo

    Formou-se em cinema na PUC-RJ, é mestre em comunicação pela UFRJ, onde pesquisou a obra de Jonas Mekas. Dedica-se à crítica de cinema (Revista Cinética), de teatro e música, em diversas publicações. Trabalha regularmente como professor, lecionando na área de história do cinema e da crítica. Realizou alguns curtas-metragens e em 2019 finaliza o longa “Aterro”, em parceria com Léo Bittencourt. Seu sítio pessoal é juliano-gomes.com

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema negro brasileiro hoje e a insistência do “acordo transparente”

Seminário

    Cinema Negro africano e diaspórico – Narrativas e representações

Resumo

    O objetivo aqui é descrever uma tendência histórica deste campo que tende a ver as imagens não como produção de imaginário mas como “espelho da realidade” da vida social negra. A esta tendência dou o nome de “acordo transparente”. Após sugerir as bases deste “acordo”, analisarei exemplos que corroboram com esta tendência. Em seguida, o trabalho apresenta sugestões de abordagem que enfatizem a dimensão artística, portanto especulativa, desta produção, realçando seu potencial político-imaginativo.

Resumo expandido

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    A presença de artistas negros nos espaço de audiovisual brasileiros alcançou patamares históricos nos últimos anos. Filmes como “Temporada” (André Novais, 2018) e programas em festivais internacionais como “Soul in the eye” (Festival de Roterdã, 2019) são culminâncias de um processo amplo de consolidação da produção e do campo de conhecimento. Podemos observar carreiras tendo continuidade, poéticas se desenvolvendo, e um aumento notável de pesquisas relacionadas ao tema, além de um debate público de escalas nunca antes alcançadas.

    Na medida em que o cinema negro brasileiro expande seu espaço histórico, seu repertório e, consequentemente, seu campo de recepção e reflexão, um desafio em especial parece se tornar inescapável: como desfazer sua ligação histórica com a ideia de “refletir fielmente” a vida social da população negra nas telas? Como fazer com que a expansão do cinema negro como campo de experiência, imaginação, especulação e forja de futuros não seja limitada por forças que desejam inscrever esse cinema como um repetidor mimético do que acontece fora das telas?

    Esta comunicação – a partir da leitura do livro “Film Blackness: American Cinema and the Idea of Black Film”, do pesquisador estadunidense Michael Boyce Gillespie – tem como objetivo estimular um ímpeto reflexivo sobre as imagens da negrura em movimento que não seja baseado na busca de evidências, de confirmação de autenticidades, de confirmação de uma suposta “essência negra” afinal.

    Chamo aqui de “Acordo Transparente” uma combinação tácita entre filmes e recepção que acredita que as telas devem ser uma espécie de espelho para a vida social da população negra, eternamente imbuídos de mostrar o que existe, de aumentar a visibilidade do que já podemos encontrar fora dos filmes. Seria uma espécie de acordo de não-mediação, onde o cinema negro funcionaria prioritariamente como uma janela de acesso a “vidas negras verdadeiras”, condenado a documentar, em um looping eterno.

    O fato do cinema negro, historicamente, não ser analisado plenamente como arte, como discurso multifacetado, que engendra estratégias discursivas, expressivas, diversas, é resultado do racismo epistemológico que quer restringir a capacidade especulativa do campo, e o torna um ambiente de verificação e adequação a idéias hegemônicas de mundo. Seu estudo fica limitado por ações de reconhecimento de verificação de fidelidade a vida social, se tornando um material que não inventa mundos possíveis mas somente reproduz o que já é conhecido – esterelizando seu potencial político ao ocupar o “seu lugar “.

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    Em face a este cenário, as perguntas que orientam este trabalho são:

    E se o cinema negro não for necessariamente a transcrição visual da vida vivida pelas pessoas negras?

    E se a ideia de cinema negro for sempre uma interrogação e não uma resposta?

    Como fazer com que o lugar histórico da negrura como objeto retratado seja revertido em campo onde possamos analisar a riqueza infinita das suas formas de analisar, figurar e sentir as dimensões inimagináveis que a arte pode inscrever?

    Que conseqüências haveria de se imaginar um cinema negro que não seja compreendido como ferramenta de ilustração, denúncia ou representação?

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    No trabalho, analisarei alguns exemplos de filmes e materiais de imprensa onde podemos encontrar signos desta atitude pela transparência e ao fim indicaremos exemplos que indiquem o caminho oposto, desfazendo restrições históricas.

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    Essas idéias que compõem o trabalho fazem parte do início de um projeto de pesquisa que se concentra justamente nas formas de um cinema negro essencialmente desobediente, desviante, que encontra sua potência justamente na radicalização de suas políticas da imaginação, seja em relação a materiais do presente, passado ou futuro.

Bibliografia

    CARVALHO, Noel/ DE, Jéferson. Dogma Feijoada, o cinema negro brasileiro. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005

    GILLESPIE, MICHAEL BOYCE. Film Blackness: American Cinema and the Idea of Black Film. Duke University Press, 2016

    HARNEY, Stefano & MOLTEN, Fred. The undercommons – Fugitive planning and black study. Nova Iorque, Minor composition, 2013

    MBEMBE, Achille. Crítica da Razão negra. São Paulo: N-1 edições, 2018

    MOMBAÇA, Jota. Não se nasce monstra, tampouco uma se torna: sobre inexistência social e Fim de mundo. Dissertação de
    Mestrado. PPGCS-UFRN. Natal, 2017

    MENEZES NETO, Helio Santos. Entre o visível e o oculto: a construção do conceito de arte afro-brasileira. Dissertação de
    Mestrado. USP. São Paulo, 2018