Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcius Freire (Unicamp)

Minicurrículo

    Professor Associado (Livre-docente) do Dept. de Cinema e do PPG em Multimeios da UNICAMP. Autor de Documentário. Ética, estética e formas de representação, além de inúmeros artigos e capítulos de livros sobre o campo fílmico. Organizou com Philippe Lourdou, Université de Paris X–Nanterre, o livro Descrever o Visível. Cinema documentário e antropologia fílmica; coedita com Manuela Penafria, Universidade da Beira Interior-Portugal, o periódico “Doc on-line. Revista Digital de Cinema Documentário”.

Ficha do Trabalho

Título

    Melancolia, memória e autobiografia : em torno de Lehman e Farocki

Mesa

    Enunciação e temporalidade no documentário moderno e contemporâneo.

Resumo

    Harum Farocki dizia que “O cinema é um belo objeto de perda”; “A foto é parte morta do ser”, afirma Boris Lehman. Contemporâneos, ambos os cineastas se serviram de fotografias para construir alguns de seus filmes. O primeiro recuperava clichés e filmes de arquivo para exumar momentos pregnantes da história; o segundo tomou a si mesmo como tema e vem construindo uma obra que é ao mesmo tempo o registro de sua própria vida. Verificaremos como o vetor da melancolia perpassa os dois autores.

Resumo expandido

    O cinema que se constrói em torno do estar no mundo do seu realizador e se desdobra em um leque bastante variado de estratégias narrativas. Seja vasculhando seu próprio passado através de entrevistas, material de arquivo e visita a lugares de memória, como fizeram Maria Clara Escobar em “Os dias com ele” e Flavia Castro em “Diário de uma busca”; ou, ainda, utilizando atores para reconstituições e revelando a equipe de filmagem como indicador evidente dessa reconstituição do passado, como fez Albetina Carri em “Los rubios”. Nesses poucos exemplos, as realizadoras citadas se debruçam sobre suas próprias histórias, mais propriamente, sobre momentos de suas vidas que ficaram esmaecidos pela passagem do tempo. Em alguns casos, apagados pela história oficial. De toda forma, esse passado que as diretoras tentam exumar ou reconstituir se presentifica através de suas presenças, tanto nas imagens quanto na banda sonora. Suas ações, no entanto, decorrem obrigatoriamente da missão que se deram justamente de recuperar esses elos perdidos de suas existências. É em função deles que se materializa o traço distintivo da autobiografia em suas obras, segundo a definição de Philippe Lejeune: “Narrativa retrospectiva (em prosa) que uma pessoa real faz de sua própria existência, a partir do momento em que ela enfatiza a sua vida individual, particularmente a história da sua personalidade”. Mutatis mutandis, é isso que vemos nos três exemplos acima mencionados. No entanto, é preciso considerar que suas autoras não estão se debruçando sobre um vivido que consta de suas memórias, o que, se fosse o caso, implicaria um exercício de rememorar. Como bem disse Chantal Akerman “Como se lembrar de algo que não vivemos?” Portanto, o objetivo será o de reconstituir, juntamente com o espectador, um passado desconhecido. Trata-se, mais bem, de “filmes de busca”, conforme definiu Jean-Claude Bernardet referindo-se aos documentários “33”, de Kiko Goifman, e “Um passaporte húngaro”, de Sandra Kogut.
    Existe, no entanto, uma vertente menos explorada da autobiografia no cinema em que o relato do vivido decorre do fluxo, do transcorrer do presente.[1]Ou seja, as peripécias que o autor experimenta no mundo histórico não decorrem de uma qualquer busca do passado, de eventos que precisam ser reconstituídos, exumados das brumas do tempo, do esquecimento. Aqui é o desenrolar mesmo da vida corrente do cineasta que o espectador tem diante de si. “Sherman’s March”, de Ross McElwee, “Babel. Lettre à mes amis restés en Belgique” ou “Histoire de ma vie racontée par mes photographies”, de Boris Lehman, são exemplos emblemáticos dessa corrente.
    Nosso objetivo é o de tratar este último à luz de duas de suas características: a utilização decisiva da fotografia, que é seu fio condutor e a sua razão de ser, e a melancolia que, acreditamos, se desprende do tratamento a elas dispensado pelo cineasta na construção do seu artefato fílmico.
    O uso de imagens fixas – fotografias -, e a presença da melancolia nos levaram a aproximar Boris Lehman de Harum Farocki. Não é preciso sublinhar que os dois cineastas, em que pese o fato de terem nascido no mesmo ano, numa Europa ainda em guerra, são autores cujos perfis criadores são praticamente antagônicos. Um volta sua câmera para si e transforma sua vida em objeto de seus filmes, como se estivesse elaborando “…um cinejornal escrito no dia a dia, em pequenos pedaços, com migalhas acumuladas”, o outro, em sua vertente mais conhecida[1], praticamente não usa uma câmera, não registra as coisas à sua volta. Ao invés, amealha imagens, fixas e animadas, já consumadas; registros por vezes anônimos, encontrados no mundo. Na mesa de montagem, pedaços de um mundo passado são construídos, reconstruídos, e se tornam presentes.
    É sobre os pontos de contato das obras desses dois cineastas que nossa apresentação será dedicada.[1]Farocki se dedicará também à criação de instalações em galerias de arte. Em alguns dos materiais que as conformam ele próprio aparece

Bibliografia

    Delage, Christian, La vérité par l’image. De Nuremberg au procès Milosevic, Paris: Denoël, 2006.
    Dumont, François, Approches de l’essai, Quebec: Éditions Nata bene, 2003.
    Eiguer, Alberto, Du bom usage du narcissisme, Paris: Bayard Éditions, 1999.
    Elsaesser, Thomas, Harun Farocki : Working on the Sight-Lines, Amsterdam: Amsterdam University Press, 2004.
    Farocki, Harun; Baute, Michael; Benning, James, Harun Farocki (Ed), Against What Against Whom, Köln: Walther König, 2010.
    Insdorf, Annette, Indelible Shadows. Film and the Holocaust, New York: Vintage Books Edition, 1983.
    Lehman, Boris, Histoire de ma vie racontée par mes photographies, Bruxelles: Éditions Yellow Now, 2016.
    Leyda, Jay, Films beget Films, New York: Hill and Wang, 1971.
    Petro, Patrice (Ed.), Fugitive Images. From Photography to Video, Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, 1995.
    Pontremoli, Edouard, L’excès du visible, Grenoble: Éditions Millon, 1996.