Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Clarisse Maria Castro de Alvarenga (UFMG)

Minicurrículo

    É professora da Faculdade de Educação da UFMG, onde atualmente coordena o Laboratório de Práticas Audiovisuais (Lapa). É autora do livro Da cena do contato ao inacabamento da história (Edufba, 2017) e também realizadora, tendo dirigido filmes como Ô, de casa! (2007) e Homem-peixe (2017).

Ficha do Trabalho

Título

    O barro, o jenipapo, o giz e o cinema no território Xakriabá

Mesa

    Cinema, território e subjetivação I

Resumo

    Neste trabalho pretendo abordar processo pedagógico intercultural envolvendo o cinema em território Xakriabá. Trata-se de uma experiência transcorrida no âmbito do Curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas (UFMG), entre 2016 e 2018. Procuro aproximar a reflexão acerca desse processo das categorias criadas por Célia Xakriabá (2018) em sua defesa da educação territorializada: o barro, o jenipapo e o giz.

Resumo expandido

    Pretendo abordar processo pedagógico intercultural envolvendo o cinema, no âmbito do Curso de Formação para Educadores Indígenas (FIEI), entre 2016 a 2018. O curso conta com quatro turmas de 35 estudantes de diferentes etnias (Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Xakriabá, Guarani e Maxakali) e adota o regime de alternância, ou seja, ora o curso realiza-se na UFMG, ora nas aldeias. O cinema acompanha os estudantes indígenas de uma das turmas – de Línguas, Artes e Literatura -, ao lado de disciplinas como artes sonoras, literatura, línguas, educação intercultural e conhecimento tradicional.
    O primeiro momento da formação em cinema que pretendo discutir ocorreu na UFMG: assistimos filmes juntos. Como professora da turma, selecionei principalmente filmes indigenistas e indígenas, mas também filmes realizados em oficinas, cursos e ateliês de cinema, dentro e fora do país, para iniciar uma conversa no grupo que fosse motivada pelo contato com as imagens. Os estudantes ainda não se conheciam pelo fato da turma ser constituída por etnias diferentes e ter acabado de ingressar na UFMG. A partir das imagens começaram a falar, elaborando suas próprias histórias na relação com os filmes e uns com os outros na sala de aula.
    Num segundo momento, passamos a realizar pequenos exercícios e registros, na UFMG e nas próprias aldeias. No ano de 2018, já numa terceira fase do trabalho, dedicamo-nos a assistir o material captado, na UFMG, e os grupos, divididos em etnias, partiram para o processo de edição. Cada etnia assistiu com interesse o material gravado na sua aldeia e, dedicando ainda mais atenção, ao material gravado nas demais aldeias. Nesse sentido, a visionagem do material bruto rendeu tantas conversas e elaborações coletivas quanto a visionagem dos filmes no início do processo.
    Pretendo neste trabalho, deter-me na experiência transcorrida no território Xakriabá, aproximando-a da caracterização que Célia Xakriabá faz da educação territorializada. Para isso, irei tratar das três fases desse processo (1 – ver filmes juntos, 2 – gravar, 3 – editar), relacionando-as ao barro, ao jenipapo e ao giz. Em linhas gerais, os elementos elaborados por Célia, associados, indicam um caminho percorrido em busca de uma educação que parte do vínculo com a terra e suas temporalidades (barro), passando pelas escrituras que envolvem os corpos por meio da pintura corporal (jenipapo), o que torna possível a indigenização de uma instituição não-indígena como a escola (giz), numa prática de contra-colonização.
    Em princípio, seria possível associar o barro ao processo de gravação (pelo contato que se estabelece com o território), o jenipapo ao processo de edição (pela escritura que envolve os corpos) e o giz ao ver juntos (pela transformação da instituição escolar e também da instituição cinematográfica). Mas, na escola territorializada todos esses processos acontecem simultaneamente. Por isso, acredito que os estudantes não vivenciaram o processo audiovisual como um processo sequencial, mas como uma experiência em que tanto o barro quanto o jenipapo e o giz se fazem presentes o tempo todo. O que significa que, nesse caso, gravação, edição e o ver juntos as imagens também são tratados como processos distintos, no entanto, simultâneos.
    À título de exemplo, minha proposta para a edição das imagens, foi que os estudantes se concentrassem no material que tínhamos filmado nas aldeias – iríamos trabalhar com o que tínhamos em mãos. Entretanto, durante o processo de edição, eles se articularam e solicitaram a seus parentes (via ligação telefônica) que enviassem novas imagens que consideravam importantes do território, principalmente imagens de plantas. Em terra indígena, seus parentes iam aos locais onde se encontrava aquilo que precisavam, produziam as imagens e enviavam-nas via internet. Acredito que, dessa maneira, eles subverteram o momento de edição das imagens, mantendo-se vinculados ao território na medida em que o processo de edição caminhava na UFMG.

Bibliografia

    BRASIL, André. Rever, retorcer, reverter e retomar as imagens: comunidades de cinema e cosmopolítica. Galáxia. São Paulo: PUC-SP, V. 1, p. 77-93, 2016.
    CORREA XAKRIABÁ, Célia Nunes. O Barro, o Genipapo e o Giz no fazer epistemológico de Autoria Xakriabá: reativação da memória por uma educação territorializada. Dissertação de Mestrado, UNB. Brasília (DF), 2018.
    CUNHA, Manoela Carneiro da. Relações e dissensões entre saberes tradicionais e saber científico. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 301-310.
    MIGLIORIN, Cezar & BARROSO, Elianne Ivo. Pedagogias do cinema: montagem. Revista Significação. São Paulo: USP. v. 43, n. 46, 2016, p. 15-28.
    SHULER, Evelyn. Pelos olhos de Kasiripinã: revisitando a experiência Waiãpi do Vídeo nas Aldeias. Revista Sexta-feira. N. 2, Ano 2, 1998. São Paulo: Pletora, p. 32-4