Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Rodrigo Corrêa Gontijo (UNICAMP)

Minicurrículo

    Rodrigo Gontijo é doutorando e mestre em Multimeios pelo Instituto de Artes da UNICAMP e bacharel em Comunicação e Multimeios pela PUC-SP. Atua como artista, pesquisador e professor no Centro Universitário SENAC e na Academia Internacional de Cinema. Desenvolve projetos de live cinema, filme-ensaio, instalações e documentários. Seus trabalhos já foram apresentados no Brasil, Argentina, Canadá, Espanha e Marrocos e premiados pela Associação Paulista dos Críticos de Arte e Festival de Gramado.

Ficha do Trabalho

Título

    H.O. – o estado documental no cinema de invenção de Ivan Cardoso

Seminário

    Interseções Cinema e Arte

Resumo

    H.O. (1979) de Ivan Cardoso, filme que apresenta estados documentais de variadas intensidades em certos momentos da narrativa, foi estruturado a partir de uma colagem de imagens e sons que abordam o processo criativo do artista Hélio Oiticica. Esta pesquisa analisa os conceitos de documentalidade (STEYERL:2003) e leitura documentarizante (ODIN:2012) em H.O., para refletir sobre determinadas características do cinema experimental brasileiro.

Resumo expandido

    Ivan Cardoso é considerado um dos principais expoentes do cinema experimental brasileiro, dentro de um recorte específico conhecido como Cinema Marginal ou Cinema de Invenção. Para Hélio Oiticica, o experimental está ligado a “um estado de desligamento, de esvaziamento (que não significa um nada), que é a abertura para o ato expressivo enquanto ato criador” (TEIXEIRA, 1999. p.33) onde o experimental não é um objetivo a ser alcançado, mas apenas um caminho a ser percorrido no “exercício experimental da liberdade, que não consiste na criação de obras, mas na iniciativa de assumir o experimental” (OITICICA: 1972 p.2). O cinema marginal, ligado à contracultura, é marcado por uma ruptura com a linguagem visual recorrente do cinema comercial, por uma fragmentação da narrativa que prioriza o mostrar ao invés de narrar, através de personagens à deriva que se constroem no presente. O deboche, a ironia e a alegoria aparecem de maneira recorrente em filmes carregados de citações onde “pega-se o discurso-outro, incorporam-se às vezes pedaços inteiros do original, às vezes se reelabora a matriz deixando, no entanto, indícios claros da procedência” (RAMOS: 1987, p.133). Jairo Ferreira prefere chama-lo de Cinema de Invenção, termo emprestado de Ezra Pound, que na busca dos “elementos puros da literatura”, desenvolveu as seguintes categorias: “Inventores: homens que descobriram um novo processo ou cuja obra nos dá o primeiro exemplo conhecido de um processo; Mestres: homens que combinaram um certo número de tais processos e que os usaram tão bem ou melhor que os inventores; Diluidores: homens que vieram depois das duas primeiras espécies de escritor e não foram capazes de realizar tão bem o trabalho” (FERREIRA:2016, p.34).

    Em H.O. (1979), Ivan Cardoso acompanha o processo criativo do artista Hélio Oiticica, onde a articulação de determinados elementos imagéticos e sonoros trazem estados documentais de diferentes intensidades, conhecidos por documentalidade (Steyerl:2003). Em alguns momentos, o cinema experimental brasileiro incorporou qualidades documentais, provocando tensões entre territórios seja por aproximação (Documentário de Rogério Sganzerla, 1966) ou por digressão (Congo de Arthur Omar que acompanha um artigo do mesmo autor chamado Anti-Documentário, provisoriamente, ambos de 1972).

    De acordo com Roger Odin, “todo filme pode, na condição de ser examinado sob a perspectiva adequada, revelar um aspecto documentário”, portanto ao submeter o leitor ao filme, este estabelece uma imagem sobre o enunciador, ou seja, “constrói um eu-origem real” (ODIN:2012, p.13). Num determinado instante de H.O., temos um depoimento em off de Oiticica falando sobre os Parangolés, enquanto Nildo da Mangueira dança com os mantos coloridos. Num outro trecho ouvimos a narração de Scarlet Moon sobre conceitos que definem as relações do espectador com as obras, enquanto assistimos imagens observativas da abertura da instalação Penetrável PN 27 “Rijanviera” que contou com as presenças de Lígia Clark, Lygia Pape, Caetano Veloso e Wally Salomão. Estas organizações narrativas promovidas por Cardoso, a partir de personagens que declaram a existência de algo sobre o mundo, podem ser compreendidas como “uma série de normas que distinguem as afirmações certas das falsas e que se fixam nos procedimentos de produção da verdade” (STEYERL:2003), permitindo assim que o leitor desenvolva uma leitura documentarizante, afinal o que estabelece este tipo de compreensão “é a realidade pressuposta do Enunciador, e não a realidade do representado” (ODIN:2012, p.18). Como aponta Steyerl “as formas documentais são menos o reflexo de uma realidade do que a criação dela mesma” (STEYERL:2003), portanto H.O., além de toda sua dimensão experimental, marginal ou de invenção, assim como outros filmes do cinema experimental brasileiro, podem ser considerados, como sugeriu Chris Marker descrevendo sua própria obra, um Cine Ma Verité.

Bibliografia

    FERREIRA, Jairo. Cinema de Invenção. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2016

    ODIN, Roger. Filme documentário, leitura documentarizante. Significação – Revista de Cultura Audiovisual, V.39, nº 35, 2012. Disponível em http://www.revistas.usp.br/significacao/article/view/71238. Acesso em 05 de abril de 2019.

    OITICICA, Helio. Experimentar o experimental. Anotações do Artista, New York. 1972.
    Disponível em http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ Acesso em 12 de abril de 2019

    RAMOS, Fernão. Cinema Marginal – a representação em seu limite. São Paulo: Brasiliense, 1987.

    STEYERL, Hito. Documentarism as Politics of Truth. EIPCP: European Institute for Progressive Cultural Policies, 2003. Disponível em http://www.eipcp.net/transversal/1003/steyerl2/en. Acesso em 05 de abril de 2019.

    TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. Da Estação Primeira de Mangueira à Documenta de Kassel: Hélio Oiticica nas Redes do Virtual. Percurso, Revista de Psicanálise, São Paulo, nº 23, 2/1999.