Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Bruno Leites (UFRGS)

Minicurrículo

    Bruno Leites é docente na FABICO/UFRGS. Doutor em “Comunicação e Informação” pela mesma instituição com a tese “Quando a imagem faz sintoma: imagem-pulsão e neonaturalismo no cinema brasileiro dos anos 2000”. Entre 2014 e 2015 realizou estágio doutoral no IRCAV, Sorbonne Nouvelle – Paris 3. Foi docente na área de cinema e audiovisual na UFPel e no IFRS. Tem uma dezena de artigos sobre imagem e cinema brasileiro dos anos 2000 em publicações nacionais.

Ficha do Trabalho

Título

    Tempo e naturalismo em Nada levarei qundo morrer, de Miguel Rio Branco

Seminário

    Teoria dos Cineastas

Resumo

    Esta comunicação problematiza o tratamento do tempo em “Nada levarei qundo morrer: aqueles que mim deve cobrarei no inferno”, de Miguel Rio Branco, em perspectiva comparada com as fotografias da série de mesmo título. Evidentemente, às fotografias não faltam brutalidade, animalização, excessos e intenção narrativa. No entanto, é na matéria audiovisual que Rio Branco encontra a expressão que o aproxima mais das premissas naturalistas, notadamente pelo poder de trabalhar o tempo entrópico

Resumo expandido

    Recentemente, uma obra-chave de Miguel Rio Branco foi revisitada, ganhando exposição individual no MASP e espaço na galeria permanente do artista no Instituto Inhotim: trata-se da série de fotografias feitas no final dos anos 1970 no bairro Maciel, em Salvador. No mesmo contexto deste trabalho, Rio Branco realizou o curta “Nada levarei qundo morrer: aqueles que mim deve cobrarei no inferno”, feito com uma mistura de imagens em movimento com imagens estáticas.
    Desde a perspectiva desta comunicação, interessa o filme de Rio Branco sobretudo pela relação que estabelece com a estética naturalista, presente também em certos filmes que atualizaram essa tradição no cinema brasileiro pós-2000, tais como “Contra Todos”, “Amarelo Manga”, “Baixio das Bestas”, “Latitude Zero”, “O cheiro do ralo”, “Árido movie” e “Deserto Feliz”.
    Particularmente, esta comunicação problematiza o tratamento do tempo no filme de Rio Branco. Conforme destacam autores que se dedicaram à pesquisa sobre estética naturalista, ela é inseparável de uma teoria do tempo. O tempo no naturalismo é uma força que inapelavelmente conduz à degradação. Por isso, a sua relação com a pulsão de morte (Deleuze, 1985), com a entropia (Baguley, 1990) e com a tragédia (Chevrel, 1993).
    A materialização em obra deste tempo de entropia e de pulsão de morte está frequentemente associada a um fluxo de acontecimentos em uma narrativa. É a sequencialidade que mostra a negatividade do tempo, uma linha de maior inclinação rumo à desintegração da matéria. Na série de fotografias de “Nada levarei qundo morrer”, Rio Branco procura explorar a narratividade em fotografias unitárias. No filme de mesmo nome, a estratégia é ainda mais intensa.
    O filme é composto por cinco sequências. A primeira é de ambientação no espaço e apresentação dos personagens, inclusive por meio de retratos estáticos e com movimento. São imagens externas que se ocupam de uma certa dignidade na miséria (a família, o trabalho, o cuidado com a aparência). Todas as sequências que se seguem vão progressivamente ocupando os interiores e entrando nas intimidades. A terceira sequência é dedicada às brigas e à exposição de inúmeras cicatrizes em primeiro plano, como marca do tempo entrópico transcorrido. Destaca-se, também, a intensificação das metáforas animalescas, com a associação de personagens com cães, galos de rinha e uma cobra. Os cães e as peles de personagens, na primeira sequência, eram lisos e sadios, mas agora têm interesse por conta de suas sarnas e cicatrizes.
    Para introduzir a sequência final, Rio Branco move a câmera bruscamente e enquadra em primeiro plano o olhar de uma mulher que acaba de fazer sexo com um homem. Em seguida, faz um corte igualmente brusco para o interior de uma igreja. O corte corresponde a uma imersão na interioridade da mulher ou a uma projeção da sua interioridade. O ritmo das imagens e dos movimentos de câmera fica mais frenético. Passamos a ver as imagens ardentes de igrejas e de corpos em chamas, é um mundo paralelo, subterrâneo e terrível, que consome corpos e espaços. Para encerrar, quatro fotografias com iluminação contrastada e uma escuridão que avança sobre os rostos de mulheres com olhares angustiados.
    Evidentemente, às fotografias de “Nada levarei qundo morrer” não faltam brutalidade, animalização, excessos e uma intenção narrativa, características estas típicas do naturalismo. No entanto, é na matéria audiovisual que Rio Branco encontra a forma de expressão que o aproxima mais das premissas naturalistas, notadamente pelo poder de trabalhar o tempo entrópico. Do ponto de vista do naturalismo, fotografia e audiovisual mostram potenciais distintos devido ao tipo de temporalidade que constroem na imagem. Do ponto de vista do cinema brasileiro, penso que esta obra de Rio Branco pode ser compreendida como referência em uma tradição que também inclui filmes do início dos anos 2000, já citados anteriormente.

Bibliografia

    BAGULEY, David. Naturalist fiction: the entropic vision. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
    CHEVREL, Yves. Le naturalisme: étude d’un movement littéraire international. Paris: PUF, 1993.
    DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.
    FARIA, João Roberto; GUINSBURG, Jacob (orgs.). O naturalismo. São Paulo: Perspectiva, 2017.
    NEWLIN, Keith. Introduction: The naturalistic imagination and the aesthetics of excess. In: NEWLIN, Keith (org.) The Oxford Handbook of American Literary Naturalism. New York: Oxford University Press, 2011.
    RIO BRANCO, Miguel. Nada levarei qundo morrer. São Paulo: MASP, 2017.
    RIO BRANCO, Miguel. Silent book. São Paulo: Cosac Naify, 1998.