Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Natasha Roberta dos Santos Rodrigues (Unicamp)

Minicurrículo

    Formada em Comunicação Social – Midialogia, pela Unicamp. Atualmente é pesquisadora de Mestrado no Departamento de Multimeios da Unicamp. Em 2017 estudou na Universidade de Potsdam, Alemanha, e escreveu e dirigiu o curta-metragem documentário Cabeças Falantes. Em 2018 trabalhou como Assistente de Direção no curta-metragem de ficção Sample (de Ana Julia Travia). Em 2018 publicou o artigo Kbela: Alma no olho da mulher negra na primeira edição da Revista Akeko.

Ficha do Trabalho

Título

    Que “negro” é esse no Cinema Negro brasileiro?

Seminário

    Cinema Negro africano e diaspórico – Narrativas e representações

Resumo

    Com esta proposta pretende-se analisar os curtas-metragens Deus (2017, SP) e Liberdade (2018, SP), ambos de Vinícius Silva. A partir da análise fílmica dessas obras, intui-se observar seus elementos narrativos e as construções simbólicas construídas. Tendo em vista a discussão sobre o papel do cinema na constituição de identidades, busca-se compreender as proposições e reformulações das identidades negras que esses filmes apresentam.

Resumo expandido

    A questão da identidade é um tema constante no cinema brasileiro. No intervalo democrático de 1946 e 1964 o Brasil experimentou iniciativas de impulso à produção cinematográfica; as obras realizadas nesse período acabaram por “construir discursos fílmicos sobre a questão nacional e retratos cinematográficos da nação” (GONÇALVES, 2011, p. 154). De fato, o cinema brasileiro sempre se atentou à questão da identidade nacional, cuja representação alterava-se de acordo com o contexto político e social.
    A identidade nacional, entretanto, se provou uma ficção. Stuart Hall afirma que “a identidade plenamente unificada, completa segura, e coerente é uma fantasia” (2006, p. 13). Isto posto, percebe-se que as diversidades são parcialmente representadas pelas narrativas que reforçam a identidade nacional. Dessa forma, a representação negra esteve expressa pelo cinema brasileiro, na maior parte dos casos, na ausência de sua multiplicidade de memórias e na consequente falta de representatividade.
    Em complemento ao pensamento de Hall, Franz Fanon relembra que: “a experiência negra é ambígua, pois não há um preto, há pretos.” (2008, p. 123) e para revelar essa pluralidade, pessoas negras, em especial jovens, se apropriaram do audiovisual como meio narrativo de representação e, principalmente, de fabulação. Esses jovens não apenas se empossaram da ferramenta narrativa que é o cinema, como desenvolveram redes de produção e circulação entre si; e é esta mobilização política em torno da produção audiovisual que recebe o nome de Cinema Negro.
    Com o olhar mais amplo e aprofundado sobre as realizações incorporadas à categoria de Cinema Negro, os estudos recentes neste campo caminham no sentido da análise dessas produções e do reconhecimento da práxis cinematográfica para representar a identidade negra. Heitor Augusto atesta que há um desejo genuíno de muitos cineastas negros por “experimentação formal” na prática cinematográfica (AUGUSTO, 2018). Esses realizadores têm encontrado na investigação da linguagem realocações narrativas para fabular a experiência dos negros no Brasil.
    Em resposta ao discurso identitário, que aciona a concretude dos fatos históricos para reafirmar a existência do racismo estrutural, a experiência do cinema se direciona à elaboração fabular, isto é, o lugar da imaginação, da criação e, principalmente, do preenchimento das lacunas representativas. O exercício da fabulação retira, segundo Laan M. de Barros e Kênia Freitas, a responsabilidade de um discurso narrativo representacional, ao contrário, compreende que o processo de representação necessita ser fraturado, a fim amalgamar seus aspectos políticos e artísticos (BARROS; FREITAS, 2018).
    Ao mesmo tempo, é importante observar que o conceito Negro já não mais remete à condição genética de origem africana; a lógica da globalização atual concede um caráter mais amplo de compreensão do que é ser negro (MBEMBE, 2014). Faz-se cabível, portanto, o exercício da fabulação nos meios narrativos e, consequentemente, sua experimentação, quando se compreende o cinema como um espelho para o “devir-negro”. É no sentido de ampliar o entendimento do que é ser negro no Brasil que o Cinema Negro aponta.
    À vista do que se discorreu até o momento, vê-se a necessidade de refletir sobre as formas narrativas dessas produções e sua relação com a reelaboração do conceito de identidade negra. A partir do reconhecimento da experimentação formal indicado por Heitor Augusto, toma-se como objeto de análise os filmes híbridos Deus (2017, SP) e Liberdade (2018, SP), ambos de Vinícius Silva. Que elementos simbólicos esses filmes mobilizam? O que concebem por identidade negra e que aspectos de sua narrativa corroboram para a fabulação dessa identidade? De quais recursos audiovisuais esses filmes fazem uso para construir tais fabulações? Estas são algumas questões que demandam a análise fílmica dessas obras, tendo em vista seu contexto de produção e circulação.

Bibliografia

    AUGUSTO, Heitor. “Passado, presente e futuro: cinema, cinema negro e curta-metragem”. In: SIQUEIRA, Ana [et al]. Festival Internacional de curtas de Belo Horizonte (catálogo). Belo Horizonte: Fundação Clóvis Salgado, 2018.
    BARROS, L. M.; FREITAS, K. Experiência estética, alteridade e fabulação no cinema negro. Revista Eco Pós, v. 21, n. 3. 2018.
    FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Bahia: Editora Edufba, 2008.
    GONÇALVES, M. 1946 / 1964: O Cinema de um País Irreconhecivelmente Inteligente. In:________. Cinema e identidade nacional no Brasil 1898-1969. São Paulo: LTCE Editora, 2009.
    HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
    ________. Que “negro” é esse na cultura popular negra?. In:_______; SOVIK, Liv (Org.). Da diáspora: identidades e mediações culturais. 1. ed. atual. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2009.
    MBEMBE, A. Crítica da Razão Negra. Lisboa: Editora Antígona, 2014.