Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Lucas Correia Meneguette (Fatec Tatuí)

Minicurrículo

    Lucas C. Meneguette possui Graduação em Tecnologia em Música (Unoeste), Mestrado e Doutorado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (PUC-SP), com a tese “A afinação do mundo virtual: identidade sonora em jogos digitais”. Atualmente é pesquisador e professor de Tecnologia em Produção Fonográfica na Fatec Tatuí, onde supervisiona o NAGA (Núcleo de Áudio e Games), focado no ensino e na produção de áudio para jogos.

Ficha do Trabalho

Título

    Imersão, games e experiência do espaço sonoro nos fones de Baby Driver

Mesa

    A MEMÓRIA CULTURAL DO CINEMA DE GÊNERO: UM MUSICAL DE GANGSTERS HOJE

Resumo

    O filme Baby Driver apresenta um aporte peculiar para o engendramento da experiência do espaço sonoro. Conforme o protagonista utiliza fones de ouvido para mascarar um tinnitus decorrente de um acidente de trânsito na infância, o filme propicia uma imersão em seu ponto de escuta subjetivo. Este trabalho propõe que tal fenômeno estabelece uma possível conexão com os conceitos de imersão e de presença conforme abordados pela literatura em realidade virtual e em games.

Resumo expandido

    A sonoridade peculiar de Baby Driver se apresenta ao espectador logo nos créditos de abertura: um Ré-6 soa assim que surge a silhueta da Sony, de tom pouco acima de 1kHz, prolongando-se conforme aparecem outras companhias de produção; o pulso sintético do logo sonoro procede em klangfarbenmelodie, primeiro aos violinos, depois com harmônicos oitavados, para enfim repousar nos freios de um Subaru e crescer novamente em tremolo. Trata-se, ao mesmo tempo, da renderização de um tinnitus persistente ouvido pelo protagonista Baby (em focalização intra-diegética), decorrente de um acidente de trânsito na infância, e também de uma subversão da realidade diegética em função de um ponto de escuta que a esteticiza musicalmente. Para mascarar esse zumbido, Baby utiliza constantemente fones de ouvido – e os acontecimentos narrativos passam a ocorrer ritmicamente, como que por entrainment. De fato, o áudio do filme constantemente emula na plateia a própria experiência dos fones de ouvidos de Baby, sugerindo uma imersão em seu espaço acústico. Pode-se argumentar que tal abordagem de sonorização imersiva se assemelha a alguns games em primeira-pessoa, em que o jogador veste o ponto de escuta de seu avatar, muitas vezes, por meio de fones. Os fones funcionam nos games como dispositivo acoplado à cabeça que atenua os dados sensórios provindos do exterior, projetando um espaço acústico virtual que fecha o jogador numa redoma sensória. Ruídos diegéticos, muitas vezes hiper-realistas, reforçam o sentimento de estar no mundo virtual, fenômeno conhecido como “presença”. A música, em geral, delineia um sentido emocional ao mesmo tempo em que dita um ritmo de participação, adaptando-se de forma dinâmica à cena. Em dispositivos móveis, o fone promove uma escuta privada típica da sociedade urbana contemporânea. Para Bull (2006), os fones engendram uma experiência solipsista do mundo, fechando o usuário num claustro tecnológico e demarcando territórios interpessoais – no filme, isso é notável inclusive no comportamento de Baby, que usa fones tanto para mascarar seu zumbido, quanto para evitar ou mesmo articular relacionamentos. Como o jogador está, por assim dizer, ao mesmo tempo dentro e fora do jogo, as divisões clássicas de sons diegéticos e extra-diegéticos são frequentemente desafiadas. Essa é uma das razões pelas quais Jørgensen (2007) cunhou o termo “som transdiegético” para designar o esmaecimento das fronteiras entre os espaços diegéticos e extra-diegético, decorrente da participação do jogador. Embora esses conceitos não possam ser transcritos aos filmes sem algum prejuízo, parece haver em Baby Driver uma estética imersiva que pode ser lida, para falar como Jenkins (2006), como uma “força de influência mútua” entre o game e o cinema. De qualquer forma, o comparativo entre os meios permite elucidar ainda algumas questões sobre a trilha sonora. Segundo Gorbman (1987), no modelo clássico de trilha cinematográfica, a música não deve ser percebida conscientemente enquanto construção estética destacada da cena: precisa ser invisível e inaudível, apenas servindo de recurso semiótico para a comunicação de emoções e de deixas narrativas – de modo que produza um “efeito diegético”. Chamo esse modelo de “arquitrilha”. Em jogos, este tipo de trilha cinematográfica é cada vez mais utilizado. No entanto, no passado era comum uma versão reduzida desse modelo, com músicas em loop, às vezes empáticas apenas ao cenário que representavam e com pouca variabilidade de sons – o que chamo de “minitrilha”. Mas Baby Driver se assemelha a um terceiro tipo de trilha de jogos: a “antitrilha”. Conforme os assaltantes atiram ao ritmo da música ouvida nos fones de Baby, ela passa a ser evidenciada e, portanto, torna-se tanto audível, quanto visível. Isso realça a conexão entre a música e a realidade diegética, de forma que o resultado é uma coincidência absurda. De algum modo, isso aumenta ainda mais a identificação do espectador com a participação do protagonista na cena.

Bibliografia

    BULL, M. Sounding out the city: personal stereos and the management of everyday life. Oxford: Berg, 2006.
    GORBMAN, C. Unheard melodies: narrative film music. Indianapolis: Indiana University Press, 1987.
    JENKINS, H. Convergence culture: where old and new media collide. New York: New York University, 2006.
    JØRGENSEN, K. What are Those Grunts and Growls Over There? Computer Game Audio and Player Action. Tese (Doutorado em Film and Media Studies). Copenhagen: Copenhagen University, 2007.
    MENEGUETTE, L. A afinação do mundo virtual: identidade sonora em jogos digitais. Tese (Doutorado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital). São Paulo: PUC-SP, 2016.