Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Leon Orlanno Lôbo Sampaio (UFPE)

Minicurrículo

    Leon Sampaio é graduado em Cinema e Audiovisual pela UFRB, mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas pela UFBA e atualmente faz doutorado em Comunicação na UFPE, onde pesquisa sobre a questão colonial no cinema brasileiro contemporâneo. Seus filmes foram exibidos em diversos festivais pelo país (Tiradentes, Janela, Panorama, Kinoforum, Curta Cinema, MFL, dentre outros). Além de realizador e pesquisador, trabalha também como curador (Cachoeira Doc) e ministra oficinas de audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Duplo gesto: o corpo na redistribuição da violência colonial

Seminário

    Cinema brasileiro contemporâneo: política, estética, invenção

Resumo

    Partindo da obra de Jota Mombaça ,”Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência!” (2017), a comunicação pretende analisar um duplo gesto que constitui três curtas-metragens de realizadoras negras, Kbela (2015), de Yasmin Thayná, Experimentando o vermelho em dilúvio II (2017), de Michele Matiuzzi, e Travessia (2017), de Safira Moreira. Esse duplo gesto busca, sobretudo, figurar uma nova representação e existência negra.

Resumo expandido

    Jota Mombaça, ensaísta e performer contemporânea, num manifesto intitulado “Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência!” (2017), afirma que “não se trata de encontrar um consenso, ajustar o mundo e conformar a diferença colonial num arranjo pacífico” (MOMBAÇA, 2017, p.15). Para ela, a condição colonial não suporta a conciliação, já que ela é sempre desigual, “se funda na violência do colonizador contra as gentes colonizadas, e se sustenta no estabelecimento e manutenção de uma hierarquia fundamental perante a qual a colonizada pode apenas existir aquém do colonizador” (ibid, p.15).
    Esse manifesto de Mombaça expressa muito do que temos observado na produção cinematográfica brasileira dos novos sujeitos históricos, principalmente nos curtas-metragens. Os filmes que analisaremos nesta comunicação, realizados por cineastas negras, Kbela (Yasmin Thayná, 2015), Experimentando o vermelho em dilúvio II (Michele Matiuzzi, 2017) e Travessia (Safira Moreira, 2017), partem desse pressuposto de redistribuição desobediente da opressão colonial. São filmes muito diferentes entre si, com procedimentos estéticos distintos (da performance à utilização do material de arquivo, entre outras evidências sensíveis), mas que parecem alinhados por inscreverem o corpo nos processos insurgentes. Nos três filmes vemos corpos de mulheres negras, revelando, num primeiro momento, a dor, a sevícia e a sujeição aos brancos e, num segundo, o processo de expulsão e superação da ferida colonial. Esse duplo gesto – que busca, sobretudo, figurar uma nova representação e existência negra – é o foco da nossa comunicação aqui.
    A análise que faremos destacará, principalmente, o aspecto dialógico entre as obras. De maneira polifônica, as vozes dos filmes se confrontam e se mesclam num jogo de interação sócio-ideológica – tal como aponta Bakhtin (1981) em seu estudo acerca da obra de Dostoiévski. Para Bezerra, um dos comentadores do teórico russo, “o que caracteriza a polifonia é a posição do autor como regente do grande coro de vozes que participam do processo dialógico” (BEZERRA, 2005, p. 194), mas essas vozes são autônomas e o autor não as orquestra de forma dialética, buscando uma síntese. Ele busca fazer com que as vozes convivam de maneira recíproca e inconclusa na obra, sem renunciar do seu ponto de vista enquanto autor, tampouco se limitando a uma montagem de pontos de vista alheios. Ainda que saibamos que essa noção bakhtiniana de polifonia esteja designada à obra em si, aqui gostaríamos de nos referir a uma polifonia de vozes presente entre as obras analisadas, de vozes pós-coloniais que estão em constante diálogo entre os filmes, se reconfigurando através de outras obras que lhes deram origem, tal qual com obras de outros períodos históricos. A interlocução de Kbela, de Yasmin Thayná, com Alma no Olho (1973), de Zózimo Bulbul, é um exemplo desse dialogismo, uma voz insurgente que se conecta a outra e que reinventa o discurso a partir do gênero feminino.

Bibliografia

    BEZERRA, Paulo. Polifonia. In: Brait, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. Rio de Janeiro: Contexto, 2005.
    BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Ed. Forense-Universitária, 1991.
    ___________.Questões de literatura e de estética. São Paulo, Unesp/Hucitec,
    1998.
    CESAR, Amaranta. Que lugar para a militância no cinema brasileiro contemporâneo? Interpelação, visibilidade e reconhecimento. In: Revista Eco-Pós / Imagens do Presente. Escola de comunicação da UFRJ. Vol. 2, num. 2, 2017.
    MOMBAÇA, Jota. Rumo à uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência. São Paulo: Fundação Bienal (32a. Bienal de São Paulo – Incerteza Viva) e OIP – oficina imaginação política, 2017.