Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    André Guimarães Brasil (UFMG)

Minicurrículo

    André Brasil é professor do Departamento de Comunicação Social da UFMG, onde coordena o Grupo de Pesquisa Poéticas da Experiência e integra a equipe de editores da Revista Devires – Cinema e Humanidades. Participa do comitê pedagógico da Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

Ficha do Trabalho

Título

    Filmar, parar de filmar: cinema na encruzilhada

Mesa

    Cinema, território, subjetivação II

Resumo

    Pretendo privilegiar um acontecimento intensamente circunscrito, ocorrido em meio a um laboratório de documentário, paralelo à disciplina Catar folhas: saberes e fazeres do povo de axé na UFMG. Trata-se, como se verá, do momento em que o cinema se encontra em uma encruzilhada, situação definidora de sua prática: permanecer filmando o evento ou interromper a imagem? Gostaríamos de repercutir a segunda opção, aquela do corte e da interrupção; suas implicações éticas, políticas e estéticas.

Resumo expandido

    Em aliança com os modos de transmissão oral, a mediação das imagens tem centralidade nas experiências pedagógicas do Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG. A partir do registro das atividades e de conversas com mestras e mestres, o Programa têm desenvolvido um amplo acervo de retratos e vídeo-aulas, conferindo a estes formatos, pouco a pouco, diferentes modulações a partir da temporalidade, da performance, das falas singulares de cada personagem, e da cena sensível que a abriga. [Esse repertório de filmes, desenvolvidos sob a coordenação de César Guimarães e Pedro Aspahan, vem sendo disponibilizado no site www.saberestradicionais.org.]

    As imagens têm tido ainda um papel constituinte da dinâmica das aulas e, longe de funcionarem como ilustrações de aspectos da experiência social e cultural das comunidades, são espécies de dispositivos acionadores de diálogos interepistêmicos – ou cosmopolíticos – por meio dos quais concepções herdeiras da tradição escópica ocidental se encontraram com outras, vinculadas a cosmologias xamânicas ou afro-descendentes.

    Em minha apresentação pretendo privilegiar um acontecimento precisa e intensamente circunscrito. Em paralelo à oferta da disciplina Catar folhas: saberes e fazeres do povo de axé, em 2017, ministramos – os professores André Brasil, César Guimarães e Eduardo Rosse – um laboratório de documentário, no intuito de filmar as festas religiosas indicadas por mestras e mestres. Entre elas, registramos a Festa de Caboclo no Manzo Ngunzo Kaiango, terreiro e quilombo urbano de Belo Horizonte. Para fazê-lo, participamos de uma ampla preparação, negociando com os integrantes do terreiro as expectativas em torno das imagens, em vista aos preceitos da festa, seus protocolos e cuidados. Conjuntamente, decidimos por não priorizar o momento ritual, dedicando-nos às atividades de sua preparação: limpar e decorar o salão, coletar as folhas, cortar e dispor as frutas, elaborar a comida de santo, receber os convidados, cuidar das devidas permissões. Decidimos ainda, entre alunos e anfitriões, por evitar filmar filhos e filhas de santo em momento de incorporação, cena que tanto tem atraído, historicamente, o olhar documentarista.

    E, então, o acontecimento: enquanto um breve ritual de oferenda ao caboclo Ubirajara se faz lá fora (na casa onde ele está “assentado”), uma aluna decide permanecer na cozinha, filmando a feitura da comida. Próximos a um fogão à lenha, um grupo cuida dos ingredientes, enquanto, no fora-de-campo, insinua-se o toque para o caboclo. Em meio à conversa miúda, o som dos tambores adentra a cena e parece, gradualmente, afetar os corpos em suas tarefas. Alheia à comunicação entre um e outro espaço – a cozinha e a casa do caboclo -, mas atenta ao enquadramento, a câmera se detém: um e depois o outro, os corpos recebem o caboclo. Diante da inesperada incorporação, a aluna precisa se decidir: permanecer filmando o evento inesperado ou parar de filmar, tal como previamente firmado? A segunda opção leva ao corte, à brusca interrupção da tomada. Gostaríamos, assim, de discutir e repercutir esse corte, de implicações ao mesmo tempo éticas, políticas e estéticas.

    Ao interromper uma via de abordagem da festa (aquela que prioriza a incorporação), o corte abre um conjunto de outras possibilidades para o filme, para o cinema, na relação que estabelece com os sujeitos e os mundos que filma. Nas mãos dos alunos e alunas, as câmeras cinematográficas habitam a periferia do ritual; uma tomada parece reverberar na outra, e o cinema enreda-se numa encruzilhada de ligações, visíveis e invisíveis, dentro e fora de campo, produzindo as imagens e sendo, ele próprio, imaginado.

Bibliografia

    CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. “Cultura” e cultura: conhecimentos tradicionais e direitos intelectuais. In: Carneiro da Cunha, M. Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
    CONCEIÇÃO, Efigênia Maria e SILVA, Cássia Cristina da. Manzo: ventos fortes de um kilombo. Belo Horizonte, FAE/UFMG, 2017.
    GUIMARÃES, C.; OLIVEIRA, L.; BRASIL, A.; TUGNY, R.; TAKAHASHI, R.; MOURA, M.A.; OLIVEIRA, F.; ALTIVO, B., e FURIATI, T. POR UMA UNIVERSIDADE PLURIEPISTÊMICA: a inclusão de disciplinas ministradas por mestres dos saberes tradicionais e populares na UFMG. In: Tessituras – Revista de Antropologia e Arqueologia, UFPEL, v. 4, n.2, 2016.
    MARTINS, Leda. Afrografias da memória: o reinado do rosário no Jatobá . Perspectiva: São Paulo, 1994.
    STENGERS, Isabelle. A proposição cosmopolítica. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 69, p. 442-464, abr. 2018.