Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcia de Noronha Santos Ferran (UFF)

Minicurrículo

    Professora adjunta do Departamento de Artes e Estudos Culturais da UFF, arquiteta e urbanista. Fez Doutorado co-tutela em Arquitetura e Filosofia pela Universidade Federal da Bahia e pela Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). Suas pesquisas têm focado nos seguintes temas: noção de Hospitalidade na arte; política cultural urbana; intervenções artísticas no espaço urbano. Recebeu bolsas e prêmios incluindo CNPq e Itaú Cultural- Prêmio de pesquisa sobre Política Cultural.

Ficha do Trabalho

Título

    Visão em colapso: corpo e finitude entre Jarman e Saramago

Mesa

    Corpo, duração e finitude: Jarman, Tsai Ming-Liang e Black Mirror

Resumo

    Examina-se o estatuto da visão e da cegueira como deflagrador de limites e potenciais de sociabilidade e criação fílmica em A Cegueira (Meirelles) e Blue (Jarman). O colapso de civilidade impetrado aos corpos no primeiro contrasta-se com a hospitalidade (Lévinas). Já Blue traz o próprio corpo do diretor em colapso. Se A Cegueira traz a discussão da visão como potencial encontro com o rosto do outro, em que reside o limiar entre paz e guerra, na tela azul de Jarman residem limiares do cinema.

Resumo expandido

    Nossa proposta é examinar o estatuto da visão e da sua falta (cegueira) como deflagrador de limites e potenciais para sociabilidade e para a criação cinematográfica através dos filmes A Cegueira (Fernando Meirelles) e Blue de Derek Jarman.
    A temática da visão vem sendo crescentemente discutida enquanto meio de controle, gestão da sociedade e freio às pulsões mais anímicas. O ápice deste fenômeno é imaginado, por exemplo, no romance Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago. No livro, o escritor, através de uma parábola, leva suas personagens a uma situação limite onde ter visão significa guiar, decidir, julgar. No filme baseado no livro, ter visão também acarreta ter o triste privilégio de se assistir ao colapso da civilidade, intensificado para o espectador como o colapso da cidade imaginária filmada.
    Na criação fílmica e poética, o aspecto “visual” do audiovisual merece comumente estudos fenomenológicos e semióticos. Nesse sentido, ao idealizar um filme que exibe exclusivamente uma tela monocromática azul, quando estava à beira da perda total da visão, Derek Jarman – em Blue – legou ao estudo do cinema de ensaio ou cinema de exposição um desafiante manifesto sobre os limites e a autonomia da criação fílmica.
    O filme-ensaio trata tanto da finitude física como também da finitude de modelos fílmicos, ao abrir mão de imagens sem abrir mão de narrativa. Assim, nos lega ao mesmo passo a latência da inventividade.
    Abordaremos aquele colapso de civilidade impetrado essencialmente aos corpos das personagens de Saramago, contrastando-o com a ideia de hospitalidade de Emmanuel Lévinas. Já em Blue, é o corpo do próprio diretor que testemunha os colapsos. Trata-se portanto de uma miríade de colapsos que remete a sentidos diversos tais como ética/violência e corpo/calamidade urbana.
    Vemos várias possíveis relações entre a cidade em colapso imaginada em Ensaio sobre a Cegueira e as cidades contemporâneas, em que cotidianamente se dão episódios de incêndios e revoltas, estupros, transito caótico e, essencialmente, a finitude da legitimação política.
    Interessa igualmente produzir uma aproximação à ordem do fantástico, em que a cegueira branca de Saramago evoca a problemática ética da hospitalidade levantada por Emmanuel Lévinas, para quem o sentido da visão é antes de tudo a possibilidade de encontro com o rosto do outro, e é neste encontro que reside o limiar entre paz e Guerra. Como aponta Jarman, aproxima-se assim a tela azul fixa aos limiares entre cinema e arte.
    Enfim, almejamos abrir um diálogo ficcional entre Saramago e Jarman a respeito de finitudes e cegueiras através das abordagem das corporeidades.

Bibliografia

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    4.

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