Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Cezar Migliorin (UFF)

Minicurrículo

    Cezar Migliorin é professor de cinema na UFF. Co-coordenador do projeto de cinema, educação e direitos humanos: Inventar com a Diferença.  Escreveu, entre outros, Inevitavelmente cinema: educação, política e mafuá (2015) e Cinema de Brincar (2019), com Isaac Pipano, com quem também realizou o filme “Educação”. Foi presidente da Socine.

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema, grupo, clínica: notas sobre uma prática

Mesa

    Cinema, território, subjetivação II

Resumo

    Os desdobramentos das pesquisas na pedagogia dos dispositivos nos levaram a experiências individuais e de grupo em que o fazer-imagem está diretamente ligado a modos de experimentar o território, o outro, os sentidos e a linguagem. Modos de experimentação e cuidado de si e do mundo que se fazem em processos criativos com a realidade. Apresentamos nessa comunicação algumas pistas das relações do cinema com a clínica a partir de trabalhos realizados no Laboratório Kumã, na UFF.

Resumo expandido

    Os trabalhos de Félix Guattari sobre processos subjetivos, inconsciente e saúde são atravessados por uma máxima: arte e vida não se confundem, mas ambas demandam a mesma intensidade criativa.

    Nesta comunicação apresentamos algumas notas sobre trabalhos realizados na UFF em que o cinema, e as singularidades do que é criar em cinema, aparece imbricado com grupos de trabalho em que esses processos subjetivos são tão importantes quanto as imagens e sons realizados, nos permitindo falar de uma faceta clínica desse fazer-imagem.

    Nos concentraremos nessa aproximação com a clínica a partir de uma prática bastante delimitada, circunscrita ao trabalho de grupo. Grupo que não é desenhado por traços comuns ou identitários entre seus membros, mas pelo interesse em estabelecer relações e conexões com o que não pertence ao grupo, pelas imagens e sons, pelo fazer-cinema, ou se quisermos, pelo cinemar. Nós também temos nossas máximas e, nesse caso, uma delas é fundamental: para aprender a fazer cinema, basta uma tarde.

    No momento, podemos apontar para algumas decisões teórico-práticas desse cinemar. 1) Trata-se de agir com o cinema, filmar, montar, escrever, ver junto o que se fez. 2) O filmar é pautado pelo campo do documentário e do cinema experimental, aqueles que pede uma relação forte com a realidade, com a alteridade. 3) Não partiríamos do texto, mas das imagens, do criar com a realidade. 4) Trabalhamos com dispositivos.

    De maneira muito esquemática, é com essas linhas principais que o grupo se faz e se abre ao que não é grupo. É com essas linhas que o fazer do grupo perturba a centralidade do líder, do mestre, do coordenador.

    No cinemar, no fazer-imagem ou no agir-imagem, como temos chamado esse trabalho, não se trata de ler a clínica com o cinema nem vice-versa, mas, fazer uma aproximação em que os limites mesmo de um e outro sejam esgarçados, vazados. Podemos acompanhar Eduardo Passos e Regina Benevides de Barros e falar de uma aproximação transdisciplinar entre cinema e clínica. A “relação que se estabelece entre os termos que se intercedem é de interferência, de intervenção através do atravessamento desestabilizador de um domínio qualquer (disciplinar, conceitual, artístico, sócio-político, etc.) sobre outro.” (Passos e Barros, 2000, pp. 77).

    É essa nova paisagem para o cinema e para a clínica, ainda instável e plena de fragilidades, que trataremos de compartilhar.

    Nesse momento, duas facetas da pesquisa são importantes nos tensionamentos com a prática. 1 – É preciso partir de uma certa noção de processos subjetivos, em que uma dimensão maquínica têm na superfície da experiência de mundo uma continuidade de mão dupla com o sujeito. Isso quer dizer que para entrarmos nessa reflexão de uma clínica com o cinema, precisamos destacar a importância que damos para uma compressão dos processos subjetivos constituídos a partir desse emaranhado maquínico, em que as semióticas significantes participam dos mesmos processos subjetivos que as semióticas a-significantes e as formas de percepção – inventáveis – não estão alienadas dos mundos que se constroem para si e para o outro. 2 – Devemos percorrer uma noção de imagem em que a representação perde centralidade para se tornar um nó de uma relação experiencial com o mundo, com a memória e a história.

    Trata-se então de percorrer acontecimentos em que a criação da imagem e de si – sujeitogrupo – encontra frágeis linhas de aproximação. Acontecimentos que surgem de um cuidado desviante consigo e com o mundo, de uma atenção desejante com a realidade. Tênues acontecimentos de alta intensidade em uma vida.

Bibliografia

    DELIGNY, Fernand. Fernand Deligny œvres. Édition établie et présentée par Sandra Alvarez de Toledo. Paris: Les Éditions L’Arachnéen, 2007.

    DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1983.

    GUATTARI, Félix. L’inconscient machinique. Essai de schizo-analyse, Paris, Recherches, 1979.

    GUIMARÃES, César Geraldo. O que é uma comunidade de cinema?. Revista Eco-Pós, 2015, vol. 18, no 1, p. 45-56

    LAZZARATO, Maurizio, Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo: Edições Sesc São Paulo : n-1 edições, 2014.

    MIGLIORIN, Cezar. Inevitavelmente cinema: educação, política e mafuá. Azougue Editorial, 2015.

    PASSOS Eduardo e BENEVIDES DE BARROS, Regina A Construção do Plano da Clínica e o Conceito de Transdisciplinaridade Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Jan-Abr 2000, Vol. 16 n. 1,

    PELBART, Peter Pál . A arte de instaurar modos de existência que ‘não existem’. In: Bienal de São Paulo. (Org.). Como falar de coisas que não existem. 1ed.São Paulo: Bienal de São Paulo, 2014, v. 1, p. 25