Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    JOCIMAR SOARES DIAS JUNIOR (PPGCine-UFF)

Minicurrículo

    Jocimar Dias Jr. é doutorando pelo PPGCine-UFF, desenvolvendo pesquisa sobre releituras queer das chanchadas de Watson Macedo (orientação: Prof. João Luiz Vieira). No mestrado pelo PPGCOM-UFF, defendeu dissertação sobre os momentos musicais nos filmes de Theo Angelopoulos (orientação: Prof. Fernando Morais da Costa). Como realizador, dirigiu “Ensaio Sobre Minha Mãe” (2014).

Ficha do Trabalho

Título

    Temporalidade drag em Alegria de Viver (1958) de Watson Macedo

Seminário

    Corpo, gesto e atuação

Resumo

    Neste trabalho, buscaremos investigar certos códigos subculturais gays possivelmente articulados pelo cineasta homossexual Watson Macedo em suas chanchadas, particularmente através das “reincarnações” de Carmen Miranda no corpo da mocinha Eliana Macedo. A noção de temporalidade drag (FREEMAN, 2010) será invocada para pensar os interstícios entre performatividade queer, gênero e história, a partir de um curioso (e deslocado) número musical em Alegria de Viver (Watson Macedo, 1958).

Resumo expandido

    Nos filmes dirigidos por Watson Macedo, o que não faltam são números musicais extravagantes contendo personificações de Carmen Miranda, geralmente protagonizadas por Eliana Macedo, sua sobrinha e a mocinha por excelência das chanchadas. Um exemplo curioso aparece em Alegria de Viver (1958), quando Elizabeth (Eliana Macedo) e sua prima Margarida (Annabella) assistem um filme no cinema. Na tela, vemos a própria Eliana com o figurino de “baiana” cantando um pout-pourri de sambas (dentre eles “Disseram que voltei americanizada”) em um cenário de palco que lembra uma favela carioca, quase que simulando o retorno de Carmen para os morros, alguns anos após sua morte. Eliana assiste a si mesma, ao seu duplo na tela do cinema cantando, que por sua vez é o duplo de Carmen Miranda, num efeito de multiplas falsificações em um “número musical interrompido” ou “falhado” (HERZOG, 2010) que acaba abruptamente. Seria possível pensar tal sequência dentro do que poderíamos chamar de “trabalho gay” (TINKCOM, 2002) de um cineasta homossexual (no armário) como Macedo, que daria vazão a certos traços da subcultura gay da época através do corpo de Eliana que revive os trejeitos e a indumentária da “Pequena Notável”, como numa performance de drag queen póstuma?

    Para Shari Roberts, a figura de Carmen Miranda teria a potencialidade de gerar “leituras resistentes”, principalmente através do uso que fãs fizeram de sua imagem alegórica no contexto americano através da prática drag, lembrando que a “baiana” era a personagem mais imitada por drag queens nos shows do exército durante a II Guerra Mundial, tanto por soldados heterossexuais quanto gays (ROBERTS, 2002, p. 148). Fernando Balieiro (2014) retoma a argumentação de Roberts, levando em conta também casos brasileiros como o de Erick Barreto/Diana Finsk, uma drag queen famosa por suas interpretações da cantora, e que a personifica em passagens ficcionais de Bananas Is My Business (1995) de Helena Solberg.

    A persistência da figura de Carmen ainda em 1995 levanta questões não somente de transgressão sexual, mas também de reverberação temporal. Que tempo é esse da performance drag? É a pergunta que Elizabeth Freeman se coloca: “Finalmente, o que acontece se nós […] reconsiderarmos o drag, tão central para a teorização da mobilidade de identificação de gênero e do excesso visível que questiona o binarismo de gênero, como um fenômeno temporal? Como um excesso do significante ‘história’ ao invés de ‘mulher’ ou ‘homem’?” (FREEMAN, 2010, p. 62). A resposta elaborada pela autora vai em direção ao que seria uma transitoriedade temporal, cunhando a noção de temporalidade drag “com todas as associações que a palavra ‘drag’ tem com retrocesso, retardamento, e o empuxo do passado sobre o presente” (FREEMAN, 2010, p. 62).

    Mas de que forma a ideia de drag temporal pode ajudar a pensar o número musical de Alegria de Viver? Deslocada da narrativa, a sequência apresenta deliberadamente, se pensarmos nos termos de Freeman, um “tipo de brincadeira corporal com modelos ‘datados’ de gênero [que] realiza exatamente o tipo de travessia temporal que registra certa estranheza irredutível ao simples travestimento” (FREEMAN, 2010, p. 70-71). Eliana vestida como alguém que remete ao passado, através da citabilidade de normas de feminilidade consideradas ultrapassadas, poderia ser aproximada da performance drag enquanto alegoria, cujo trabalho primordial seria “construir e fazer circular algo como um mapa temporal corporificado, um armazém corpóreo para formas contingentes de ser e pertencer, um armário cheio de possibilidades de gênero” (idem). É essa capacidade de “reincarnar o passado perdido não dominante no presente e passá-lo para frente com uma diferença” (idem) que gostaríamos de investigar nos movimentos temporais contraditórios presentes nas reincarnações de Carmen Miranda (no corpo de Eliana) nos filmes de Watson Macedo, nos interstícios entre performatividade queer, gênero e história.

Bibliografia

    BALIEIRO, Fernando. “Seria Carmen Miranda uma Drag Queen? Uma Análise Queer da Trajetória e Recepção da Cantora e Entertainer Brasileira”. Revista Florestan, ano 1, n. 2, 2014.
    FREEMAN, Elizabeth. Time Binds: Queer Temporalities, Queer Histories. Durham: Duke University Press, 2010.
    HERZOG, Amy. Dreams of Difference, Songs of the Same: The Musical Moment in Film. Minnesota: University of Minnesota Press, 2010.
    NAGIME, Mateus. Em busca das origens de um cinema queer no Brasil. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som) – UFSCar, São Carlos, 2016.
    ROBERTS, Shari. “‘The Lady in the Tutti-Frutti Hat’: Carmen Miranda, a Spectacle of Ethnicity”. In: COHAN, Steven (ed.). Hollywood Musicals, The Film Reader. London: Routledge, 2002.
    TINKCOM, Matthew. “Working like a Homosexual: Camp visual codes and the labor of gay subjects in the MGM Freed Unit”. In: COHAN, Steven (ed.). Hollywood Musicals, The Film Reader. London, New York: Routledge, 2002.