Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Andressa Gordya Lopes dos Santos (UNICAMP)

Minicurrículo

    Andressa Gordya Lopes dos Santos é doutoranda do PPG em Multimeios do Instituto de Artes da UNICAMP, mestra pela mesma instituição, graduada em Cinema e Vídeo pela Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR/FAP e cursou Filosofia na Universidade Federal do Paraná – UFPR. É pesquisadora de feminismo no cinema, cinema de gênero e violência fílmica.

Ficha do Trabalho

Título

    “Let’s keep going”: o silêncio em Thelma & Louise (Ridley Scott, 1991)

Resumo

    O presente trabalho analisa o silêncio das protagonistas no filme de Ridley Scott, de 1991, Thelma & Louise. Violentadas, subjugadas e perseguidas, elas rebelam-se contra um sistema masculino e paternalista que busca, a todo custo, colocá-las sob controle. Dado o conflituoso cenário, isolam-se. A recusa pela comunicação é uma escolha contra tudo que é masculino e exterior a elas. Apenas elas e nós, espectadores, sabemos a verdade. Verdade que carregam consigo até o derradeiro e infame fim

Resumo expandido

    Há dias sem dormir bem e confinadas ao limitado espaço dos bancos do Ford Thunderbird de Louise, elas percorrem o deserto em alta velocidade enquanto uma legião de viaturas as persegue sem descanso. Contudo, do que realmente fogem alucinadamente é de uma vida de sufocamento doméstico e do abuso físico e verbal masculino. Segundo David Laderman, Thelma e Louise (Ridley Scott, 1991) não apenas atravessam as fronteiras entre os estados, mas também um “estado alterado de percepção” (LADERMAN, 2002, p. 1).
    Dirigindo, elas desbravam o mundo. Antes privadas à observação pelas molduras das janelas da domesticidade, agora descobrem-se, reencontram-se, transcendem-se. A aventura caótica faz com que encontrem uma na outra a gentileza que lhes faltou em um mundo de violência. E assim, isolam-se. Ao imporem-se fora de casa, denunciam o quanto a esfera pública é hostil às mulheres. O assédio, o estupro, o descrédito e a lei dos homens se impõem sobre elas como se a presença de mulheres sozinhas fosse um convite socialmente justificado para a violência, e a estrada, esse lugar de ninguém, é onde a liberdade se mostra alcançável.
    Nosso intuito, é estudar o isolamento social em que elas se encontram e a ausência de comunicação com o mundo exterior, que estabelece sua liberdade até não muito além do limite do espaço carro de Louise e quando fora dele, estão contra tudo e contra todos. A falta de informação – a ausência de suas versões sobre a tentativa de estupro, sobre o assassinato e sobre as escolhas fazem para se salvar – é o que gera confusão na mente dos homens do filme. Esse mistério não desvendado de seus objetivos é a própria feminilidade aos olhos masculinos, essa subjetividade por tanto tempo ignorada que, de repente, eclode e se impõe. O mistério feminino é uma ameaça e a construção da figura feminina como um objeto de prazer ao olhar masculino, como aponta Laura Mulvey, é uma forma de reduzir o risco que as mulheres representam à ordem patriarcal (MULVEY, 2003, p. 438).
    Marguerite Duras, citada por E. Ann Kaplan, vê o silêncio como um “estado de espera”, “uma pausa antes de comprometer-se com uma ação”. Duras acredita que a ausência da ação ou, no caso, do uso da linguagem, é estabelecer-se em um vácuo, um vazio em uma terra de ninguém onde pelo menos podem chamar de sua. Duras está inserida no contexto das vanguardas europeias e das teóricas feministas francesas e, na compreensão dessas teóricas, segundo Kaplan, a linguagem como principal ferramenta de progresso e organização social possui um viés inerente ao homem. Consequentemente, se a linguagem é por definição “masculina”, as mulheres que a falam estão alienadas de si mesmas (KAPLAN, 1995, p. 135).
    No entanto, o silêncio em Thelma & Louise não tem origem na ausência de diálogos, mas na ausência de comunicação com tudo o que é exterior, e cuja informação a respeito de qualquer subjetividade é oferecida por meio de seus rastros e vídeos de segurança. Essa taciturnidade permite que a relação entre elas se aprofunde e que o arco das personagens evolua mantendo-as externas ao conflito: elas estão sempre um passo à frente de tudo e de todos e qualquer presença masculina é invasiva, violenta e opressiva.
    Thelma e Louise são hostilizadas porque contestam diversas convenções da ordem social burguesa em relação aos papéis de gênero e desacreditam em tudo o que é masculino e exterior à ambas. Entre elas, são verborrágicas e cheias de discursos sobre suas experiências, sobre a crise que vivem, sobre o passado e sobre os seus anseios. Deixar os outros no escuro é mais que uma fuga pelas consequências de um crime, é uma escolha. Apenas elas e nós, espectadores, sabemos a verdade. Verdade que carregam consigo até o derradeiro e infame fim.
    Dado esse contexto, o objetivo deste trabalho é trazer um olhar analítico sobre a relação entre ambas e com o mundo. Apontando momentos em que o silêncio representa rupturas e provocações sociais tão ou mais potentes que os gritos dos desesperados.

Bibliografia

    GRONSTAD, Asbjorn. Transfigurations: Violence, Death and Masculinity in American Cinema. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2008.
    COHAN. Steve. HARK. Ina Rae. The Road Movie Book. London: Routledge. 1997.
    KAPLAN, E. Ann. A mulher e o cinema – Os dois lados da câmera. Rocco. São Paulo – SP. 1995.
    LADERMAN, David. Driving Visions: Exploring the Road Movie. University of Texas Press, Austin, 2002.
    MESSERSCHMIDT, J. Crime as Structured Action: Gender, Race, Class and Crime in the Making. Thousand Oaks, California: Sage, 1997.
    MULVEY, Laura. Prazer Visual e Cinema narrativo. Ismail Xavier (org). A Experiência do Cinema. Graal Embrafilme. Rio de Janeiro – RJ, 2003, p. 437-453.
    NERONI, Hilary. The violent woman – Femininity, Narrative and Violence in Contemporary American Cinema. New York, State University of New York Press, 2005.