Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Patrícia Mourão de Andrade (USP)

Minicurrículo

    Pós doutoranda no Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo). Doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela mesma unviersidade.

Ficha do Trabalho

Título

    O cinema-caverna de Robert Smithson

Seminário

    Interseções Cinema e Arte

Resumo

    A comunicação pretende situar os esboços de Robert Smithson para a construção de um cinema em uma caverna subterrânea e a descrição fornecida para o projeto no texto “Uma atopia cinemática” dentro de sua prática artística e textual. Em um segundo momento pretende-se investigar como o cinema insere-se em um projeto mais ambicioso do artista, que consiste em deslocar e repensar os enquadramentos e narrativas convencionados para a história da arte.

Resumo expandido

    Em 1971, Robert Smithson, ao descrever sua experiência tentando se lembrar de todos os filmes a que já assistiu, declara-se assaltado por um fluxo infinito e indiscernível de imagens de origens distintas. Em uma amalgama desconexa que leva a uma “miragem cinemática”, ele vê sua lembrança embaralhar cenas de filmes ruins com cenas de filmes bons, o “lixo de Hollywood” com filmes japoneses, indianos ou estruturais. No lugar de debater-se contra as trapaças do esquecimento, Smithson dobra a aposta da entropia e decide permitir que o “alhures se reconstrua como uma massa indiscernível”.
    Vista não como uma limitação, mas como um horizonte para a exploração de outras dimensões perceptivas, essa experiência de uma anamnese lamacenta leva-o a propor a construção de uma sala de cinema em de uma caverna ou mina abandonada. Descrita como um “verdadeiro cinema underground” e esboçada em uma série de desenhos, sua “Cinema-cavern” seria esculpida em negativo no subsolo, com tela, paredes e bancos cinzelados nas rochas da caverna – apenas a cabine de projeção, de madeira rústica, seria feita recorrendo a um material externo. O processo de construção seria filmado e, uma vez finalizada a obra, o filme da construção seria o único a ser exibido na tela do cinema-caverna.
    O derradeiro espectador desse cinema, seria, segundo Smithson um “espeleologista”, um “escravo da ociosidade”, “eternamente envolvido pelas sombras tremulantes, com a percepção tomada por certa indolência” e entregue à investigação e exploração dessas profundezas. À diferença do prisioneiro de Platão, de quem toma o plano para sua caverna, o seu espectador, saturado pela previsibilidade da tautologia, estaria livre para mergulhar em um reservatório de pura percepção. Como um viajante do tempo, jogado entre o torpor e a languidez da imobilidade, esse espectador poderia explorar o cascalho das margens da consciência e da memória.
    A descrição desse projeto encontra-se em Uma atopia cinemática. Publicado um ano depois do seminal texto de Jean Louis Baudry, Efeitos de base produzidos pelo aparelho ideológico, o texto tem vários pontos em comum com as ideias do autor sobre o dispositivo, em especial no que concerne à importância atribuída por Baudry à passividade do espectador. No entanto, Smithson toma claramente uma direção distinta da do teórico francês e de todas as soluções neo-brechtianas dos cinema-novos ou do cinema “underground” (a que não deixa de parodiar com seu projeto) que apostam em criar efeitos de distanciação. A alienação não era lida por Smithson a partir de um quadro de referências crítico-ideológico, mas como um mergulho desejado e criativo na atemporalidade.
    Na verdade, não era a primeira vez que o artista pensava sobre a situação-cinema Cinco anos antes, em um texto clássico, “Entropia e os novos monumentos”, ele recorreu ao cinema como um modelo para pensar a produção escultórica do minimalismo. Sustentando que essa produção institui um novo tipo de temporalidade, entrópica, na qual o tempo biológico e histórico é eliminado por uma percepção estática do tempo como espaço, Smithson afirmava que a sala de cinema teria agido como um condicionador mental para os artistas minimalistas. “O confinamento físico da caixa-preta”, ele escreve, “condiciona a mente. (…) O tempo é comprimido ou parado dentro da sala de cinema, e isso oferece ao espectador uma condição entrópica. Passar tempo em uma sala de cinema é como fazer um buraco na vida.”

    A comunicação pretende situar os esboços de Smithson para sua Cinema-Cavern e a descrição do projeto em Uma atopia cinemática dentro de sua prática artística e textual. Sem deixar de referendar – ainda que para diferenciar – os estudos sobre o dispositivo e a espectadorialdiade no cinema, tentaremos pensar como a insistência de Smithson na sala de cinema como um modelo insere-se em um projeto mais ambicioso do artista de deslocar e repensar os enquadramentos e narrativas convencionados para a história

Bibliografia

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