Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Denize Correa Araujo (UTP)

Minicurrículo

    PhD Comp Lit, Cinema & Arts- Univ of California, Riverside,USA; Pós-Doutorado Cinema- Univ do Algarve, Portugal; Coordenadora Pós em Cinema-UTP e Docente PPGCom-UTP; Membro Conselho Internacional, Comissão de Publicação, Comitê de Normas e Vice-Head GT Visual Culture-IAMCR-International Assoc. Media & Comm. Research; Membro Comitê Científico SOCINE; Coordenadora GP CIC-UTP (parceria com CIAC-Portugal) e GT Imagem e Imaginários-Compós; Diretora Clipagem; Curadora Fest Cine Bienal de Arte Curitiba

Ficha do Trabalho

Título

    Quando o Cinema (re) visita a Arte

Resumo

    Este estudo analisa imagens de três filmes que vivenciam um diálogo intenso com a arte: “Sonhos” (Kurosawa 1990), no episódio “Corvos”, “Elena” (Petra Costa 2012), em suas imagens intertexto-flutuantes, e “Meia Noite em Paris” (W. Allen 2011), no encontro com Salvador Dali. O referencial teórico inclui Bakhtin, Kristeva, Deleuze-Guattari, Halbwachs e Le Goff. Considero “Corvos” uma interseção-homenagem, “Elena” uma interseção-intertextonexistencial, e “Meia-noite em Paris” uma interseção-rizoma.

Resumo expandido

    A Arte esteve presente desde o inicio do Cinema e prossegue em seus diálogos com o mesmo até nossos dias. Em certos momentos, porém, estas interseções são mais evidentes e se constituem em procedimentos estéticos que requerem atenção. Teóricos como Mikhail Bakhtin e Julia Kristeva desenvolveram conceitos de dialogismo, polifonia e intertextualidade que são relevantes nos estudos de interseções. Ao analisar obras intertextuais, cunhei o conceito de “estética da hipervenção”, hiper no sentido de uma hiperrealidade e venção no sentido de invenção e intervenção, ou seja, uma intervenção criativa. Gilles Deleuze e Félix Guattari igualmente se dedicaram ao estudo do cinema, seja em seus conceitos de cinema-tempo, cinema-movimento e imagem cristal, seja em seus estudos sobre enfoques arbóreos versus enfoques rizomáticos. Neste estudo, os três filmes selecionados como corpus são analisados de acordo com os conceitos acima mencionados.
    Akira Kurosawa, em seu filme “Sonhos” (1990) cria um episódio que pode ser chamado de “interseção-homenagem”, dos artistas japoneses a Vincent van Gogh. Em “Corvos”, um quadro no museu é visitado, transformando um monologismo – só a voz de Van Gogh – em dialogismo, quando os dois artistas se encontram. Se considerarmos que Martin Scorsese está representando o artista holandês, podemos falar em polifonia de vozes, outro conceito de Bakhtin. Enquanto Bakhtin analisou situações dentro de um mesmo texto, Kristeva cunhou o conceito de intertextualidade entre dois ou mais textos, o que é o caso do documentário “Elena”(Petra Costa 2012), onde a imagem criada pela diretora é intertextual, tanto em sua forma como em sua motivação em retratar a intenção existencialista de suicídio, o que remete ao quadro de John Everett Millais, “Ophelia”, inspirado na morte de Ophelia em “Hamlet” de Shakespeare, e também ao suicídio-afogamento de Virginia Woolf. Denominei de “interseção-intertextoexistencial” a revisita de Petra Costa quando suas imagens contemplam o suicídio intertextual e sua maneira de expressar seu pesar em imagens na água, na tentativa de entender a morte de sua irmã. Além da “interseção-homenagem” e da “interseção intertextoexistencial”, este estudo analisa o filme “Meia noite em Paris” (2011), quando Woody Allen cria um momento mágico, ao colocar a cultura americana em contato com a européia. O simbolismo da meia-noite se faz evidente, entrando na esfera do conto de fadas, e as vozes do passado podem caracterizar uma questão temporal, evocando o conceito de rizoma de Deleuze e Guattari, que contrapõe o arbóreo ao rizomático. Enquanto a árvore seria monológica, o rizoma, para Deleuze e Guattari, é composto por platôs e linhas de fuga. O encontro no filme é uma linha de fuga temporal, que permite a revisita a Paris de 1920, e o diálogo com Salvador Dali. O filme, com exceção do encontro, é um platô, com narrativa linear. Denominei esta linha de fuga de “interseção-rizoma”.
    Os três tipos de interseções compartilham o conceito de memória coletiva de Maurice Halbwachs, no sentido de revisitar obras de arte ou artistas de períodos anteriores. “Corvos” revisita van Gogh, “Elena” relembra a obra de Millais “Ophelia”, também personagem de Shakespeare. O protagonista de “Meia noite em Paris” dialoga com Salvador Dali. Para Halbwachs, “a lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente e, além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada”. (1990:71). Le Goff, ao citar o documento, sugere que o mesmo é, “antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram…” (2003:538). Meu conceito de “estética da hipervenção” propõe que as interseções aqui citadas, interseção-homenagem, interseção-intertextoexistencial e interseção-rizoma enriquecem a memória e produzem reflexões sobre imagens expandidas.

Bibliografia

    ARAUJO, Denize Correa. Imagens Revisitadas: ensaios sobre a estética da hipervenção. Porto Alegre: Editora Sulina, 2007.

    BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2003.

    ______. Problemas da Poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981.

    ______. The dialogic imagination: four essays by Mikhail .M. Bakhtin. Trad. Caryl Emerson
    e Michael Holquist. Austin: University. of Texas Press, 1981.

    DELEUZE, Gilles. A Imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2007 – (Cinema 2).

    DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. R. Janeiro: Editora 34, 1997.

    HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Editora Vértice, 1990.

    KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974.

    LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5ª edição. Campinas, São Paulo: Editora
    Unicamp, 2003.

    MICHAUD, Philippe-Alain. Filme: por uma teoria expandida do cinema. RJ: Contraponto, 2014.