Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro Vaz Perez (PPGCine-UFF)

Minicurrículo

    Doutorando em Estudos do Cinema e Audiovisual pelo Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPGCine-UFF). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC Minas e graduado em Jornalismo pela mesma instituição. Professor do curso de Cinema e Audiovisual da PUC Minas.

Ficha do Trabalho

Título

    O cinema de Leon Hirszman em 1969: entre o popular e o marginal

Seminário

    Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados

Resumo

    Faremos um estudo comparativo entre os dois curtas realizados por Leon Hirszman em 1969, Nelson Cavaquinho e Sexta-feira da paixão, sábado de aleluia, que apontam para propostas estéticas opostas: um documentário popular e um filme marginal. O fato sugere um dilema estético-político do cineasta em momento de revisão do cinema novo frente ao contexto político nacional e internacional, no momento em que acontecia a ascensão das produções marginais em diálogo com a contracultura.

Resumo expandido

    Este trabalho realizará um estudo comparativo entre os dois curtas realizados por Leon Hirszman em 1969, “Nelson Cavaquinho” e “Sexta-feira da paixão, sábado de aleluia”, um documentário popular e um filme marginal, filmados em um intervalo de poucas semanas. Apontando caminhos estéticos opostos, expressam os dilemas pessoais vividos pelo cineasta, refletindo a revisão do grupo cinemanovista – que buscava caminhos após a o AI-5 e o acirramento da censura e da violência de Estado –, a ascensão das produções marginais e o cenário internacional após os acontecimentos de 1968. Naquele contexto, afirma Leon, “Eu queria fazer um curso de filosofia. Largar tudo” (Hirszman apud VIANY, 1999, p. 299). Em uma perspectiva historiográfica que Bordwell (2013) chama de “história aos bocados”, recorreremos à pesquisa documental e à análise estilística.

    Após o projeto comercial “Garota de Ipanema”, em “Nelson Cavaquinho” Leon escolhe o samba ao invés da bossa nova e retorna à Zona Norte do Rio de Janeiro e à investigação materialista do universo popular, em gesto mais de acordo com filmes como “Pedreira de São Diogo” (1962), “Maioria Absoluta” (1964) e “A Falecida” (1965). O filme dialoga com o incentivo do MIS para a produção de documentários sobre a música popular, a exemplo de “Cordiais saudações” (1968), de Gilberto Santeiro, sobre Noel Rosa, e “O cantor das multidões” (1969), de Oswaldo Caldeira, sobre Orlando Silva. À diferença destes, em “Nelson…” Leon tematiza a música do sambista e seu imaginário, aprofundando pouco em sua biografia e trajetória. Filme nostálgico, aponta para signos na iminência de se perderem na história, ao mesmo tempo em que apresenta um humor sutil e investe na improvisação.

    Já Sexta-feira da paixão, sábado de aleluia, filmado na semana santa de 69, é o último dos quatro episódios de “América do Sexo” (1969), que também traz os filmes de Luiz Rosemberg, Flávio Moreira da Costa e Rubem Maia. O curta de Leon, à base do improviso radical, é um mergulho do cineasta na curtição e no desbunde que estava no ar em 1969, em diálogo com a contracultura e as produções marginais, que emergiam em oposição aos filmes cinemanovistas mais comerciais. Em um filme sensual, mais bem-humorado e menos sisudo que os demais episódios, vemos jovens brancos e sorridentes, uma burguesia hippie e contracultural tocando canções folk americanas ao violão e improvisando diálogos com pouca importância no meio do mato. Uma aproximação ácida ao mesmo contexto de Garota de Ipanema.

    Apesar das diferenças, olhar para os dois projetos contribui para nuançar as distâncias canônicas entre cinema novo e cinema marginal, sugerindo contaminações e influências mútuas. Outros cineastas também transitaram entre margens, se lançando a propostas mais comerciais com grandes orçamentos e a um avesso radicalizado com produções enxutas. Como Glauber, entre Câncer (1967) e O Dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), e Walter Lima Jr., entre o grandioso projeto de Brasil ano 2000 (1968) e a estética suja e marginal de Na boca da noite (1971). Ou o mergulho contracultural do realista Nelson Pereira dos Santos em Fome de amor (1967) e outros filmes de Paraty.

    Em termos estilísticos, a comparação entre as duas obras aponta, como demonstraremos, para uma abertura ao improviso na encenação e a explicitação anti-ilusionista do polo da enunciação, com a presença do microfone em cena em ambas as produções e poses estilizadas que levam a enquadramentos rigorosos e plasticamente trabalhados, aproximando-se de tableaux. As obras apontam para o desenvolvimento de estratégias estéticas que seriam melhor consolidadas em São Bernardo (1972), filme que encerra a fase de indefinições do cineasta e estabelece um caminho realista para seu cinema político, visando a comunicação clara com o público, mesmo em meio à sede por experimentação estética e radicalização formal no contexto do cinema brasileiro e mundial.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
    BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Brasiliense, 1985.
    BORDWELL, David. Sobre a história do estilo cinematográfico. Campinas: Editora Unicamp, 2013.
    RAMOS, Fernão Pessoa. “Cinema Novo / Cinema Marginal: entre a curtição e a exasperação”. In: RAMOS, Fernão Pessoa; SCHVARTZMAN, Sheila (orgs.). Nova história do cinema brasileiro. Vol. 2. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018.
    SALEM, Helena. Leon Hirszman: o navegador das estrelas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
    VIANY, Alex. O processo do cinema novo. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999.
    XAVIER, Ismail. Cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001.