Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Juliana Soares Lima (UFPE)

Minicurrículo

    Juliana Soares é formada em Cinema e Audiovisual e mestranda em comunicação pela UFPE. Sua pesquisa trata da relação entre os corpos, a paisagem e o deslocamento no cinema de Claire Denis. Roteirista do curta-metragem Rosário (Vilarejo Filmes) e co-roteirista do longa-metragem Fim de Semana no Paraíso Selvagem, de Pedro Severien (Inquieta Filmes) e da série de animação infantil Ilha dos Sabiás (Carnaval Filmes).

Ficha do Trabalho

Título

    Denis, Conrad e Camus: o pessimismo do empreendimento colonial

Seminário

    Cinema comparado

Resumo

    Este trabalho pretende estabelecer um paralelo entre a filmografia de temática africana da cineasta francesa Claire Denis, e um recorte da literatura colonial europeia representada pelos autores Joseph Conrad e Albert Camus. Denis, Conrad e Camus, num intervalo de pouco mais de 100 anos, constroem de maneira diversa um olhar inquieto e descontente sobre o projeto colonial europeu.

Resumo expandido

    Proponho com esse trabalho estabelecer um paralelo entre a filmografia de temática africana da cineasta francesa Claire Denis e um recorte da literatura colonial europeia. Me deterei aqui principalmente na literatura de Joseph Conrad e de Albert Camus. Denis, Conrad e Camus, num intervalo de 100 anos, constroem de maneira diversa um olhar inquieto e descontente sobre o projeto colonial europeu. Consciente de que existe uma postura recorrente nas representações de personagens europeus destes autores, seleciono Conrad e Camus em especial por considerar que eles também são, assim como Denis, transeuntes entre diferentes contextos culturais – ou por serem nativos de colônias europeias ou por terem passado algum período de suas vidas imersos nestes lugares. Como base teórica, Cultura e Imperialismo, onde Edward Said faz uma análise sobre como a produção cultural do século XIX e a expansão colonial estão interligadas.
    Publicado pela primeira vez no ano de 1899, Coração das Trevas, de Conrad, narra em primeira pessoa a viagem de Marlow pelo coração da África com a missão de trazer de volta à Europa Kurtz, um mercador de marfim cujos métodos desagradam a administração central. Durante o relato de sua expedição em busca de Kurtz, Marlow constrói uma descrição potente da missão europeia no continente africano. “Essa narrativa, por sua vez, está diretamente ligada à força redentora, bem como à devastação e ao horror, da missão europeia no mundo negro”. (SAID, 2011, p. 62). Ao mesmo tempo em que Coração das Trevas inevitavelmente está preso à estética imperialista, ainda é capaz de descrever o absurdo do projeto colonial através de um observador que, apesar de ainda inapto a se desvencilhar, já consegue enxergar as suas falhas. Said atribui a ambiguidade da obra de Conrad à sua própria trajetória: um expatriado polonês convertido em funcionário do sistema imperial britânico.
    Já o argelino Albert Camus nasceu em 1913 no povoado de Mondovi, fundado em terras onde viviam povos autóctones expropriados por agricultores comunistas deportados da França (prática comum do governo para se livrar de elementos politicamente problemáticos). Filho de uma espanhola e um francês, sua trajetória intercultural também deve ser levada em consideração ao debruçarmos-nos sobre sua obra. Para Said “Camus é um romancista que não descreve os fatos da realidade imperial, evidentes demais para ser mencionados; como em Austen, permanece um ethos que se destaca, sugerindo universalidade e humanismo, em profundo desacordo com as descrições do palco geográfico dos acontecimentos, feitas de maneira chã na ficção”. O Estrangeiro, publicado em 1942, compõe uma trilogia que se completa com O Mito de Sísifo (de 1941) e Calígula (de 1945). Com o passar do tempo, sua obra ganhou outra leitura. Se antes suas narrativas sobre resistência pareciam falar sobre problemas existenciais da ordem do individual, hoje são lidas como uma reflexão sobre a cultura imperial. (SAID, 2011, p. 276). Em poucas palavras, O Estrangeiro conta a história de Mersault, um argelino que trabalha em Paris. A narrativa começa com o recebimento da notícia da morte de sua mãe. A partir daí, o desenrolar dos fatos leva Mersault a cometer um crime pelo qual é julgado e condenado. Durante toda a narrativa, desde o descobrimento da morte da mãe até a sua própria condenação, Mersault mantém-se impassível, indiferente, como se observasse de fora os acontecimentos que definem de forma irreversível o seu futuro.
    Traçando paralelos, é possível afirmar que essas obras literárias têm muito em comum com a filmografia de Denis. Filmes como Bom Trabalho, Minha Terra, África e Chocolate mostram-se alegorias dos sentimentos de desconexão, isolamento e solidão que permeiam as vivências dos sujeitos europeus que transitam nos territórios coloniais, impossibilitados de estabelecer vínculos com seus habitantes e com o espaço. Juntas, essas obras são um retrato do lado pessimista oculto no empreendimento colonial europeu

Bibliografia

    CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 2009.

    CONRAD, Joseph. Coração das Trevas. São Paulo, Companhia das Letras, 2008

    RHYS, Jean. Wide Sargasso Sea

    SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

    _______. Orientalismo – O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo, Companhia das Letras, 2015.

    SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

    VECCHIO, Marjorie, The Films of Claire Denis – Intimacy on the Border. Londres: I.B.Tauris & Co. Ltd, 2014