Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Paloma Palacio Marcelino (UFRJ)

Minicurrículo

    Paloma Palacio é graduada em Radialismo e mestranda em Comunicação e Cultura, na linha Tecnologias da Comunicação e Estéticas, pela Escola de Comunicação da UFRJ. Orientada pela professora Anita Leandro, desenvolve pesquisa em documentário brasileiro contemporâneo.

Ficha do Trabalho

Título

    Corpos marginalizados de Branco sai preto fica e Era uma vez Brasília

Resumo

    Neste trabalho, pretendemos fazer uma análise estética dos dois últimos filmes do cineasta Adirley Queirós, Branco sai, preto fica (2014) e Era uma vez Brasília (2017), tendo por interesse a mise-en-scène dos corpos periféricos. Do conceito de corpo-máquina ao de corpo-arquivo, passando pelo testemunho, vamos defender o processo fílmico das obras de Adirley como um gesto de memória.

Resumo expandido

    Desde o primeiro curta-metragem Rap, o canto de Ceilândia (2009), passando pelos longas A cidade é uma só? (2011), Branco sai preto fica (2014) até Era uma vez Brasília (2017), o cineasta Adirley Queirós busca inventar novas formas de mostrar a cidade na qual cresceu, de um modo que lhe é particular. Criado em Ceilândia, cidade-satélite do Distrito Federal, ele constrói maneiras de ver e dizer Brasília que escapam ao Plano Piloto e partem precisamente do que a cidade esconde: suas margens. Sendo assim evoca documentos, entrevistas e o roteiro de ficção científica como formas de dar conta de um fato fundador, cujas repercussões se estendem aos dias de hoje: a expulsão da população negra e pobre do entorno do Plano, a fundação da periferia de Ceilândia e a segregação social e racial como projeto de cidade.

    Assim como A Vizinhança do tigre (2014, de Affonso Uchôa) e O céu sobre os ombros (2011 de Sergio Borges), para citar alguns, é possível notar na obra de Adirley a centralidade dos personagens na construção fílmica. A entrada da ficção, particularmente, da ficção científica, como modo de filmar esses personagens se torna motivo principal dos seus dois últimos filmes, Branco sai preto fica e Era uma vez Brasília. Pretendemos fazer, neste trabalho, uma análise estética destas obras, tendo em vista os dispositivos de encenação engendrados, que tipos de corpo podem produzir e o que estes corpos podem dizer de um projeto político latente no cinema de Adirley Queirós.

    Branco sai gira em torno de três protagonistas, inseridos num universo de ficção científica em que Brasília foi dominada pela tecnocracia. Dimas Cravalanças é um viajante temporal incumbido por um Estado futurista de desvendar um crime ocorrido nos anos 1980: a invasão policial do baile do Quarentão, que feriu e matou jovens da periferia de Ceilândia. A Dimas é dada a tarefa de voltar ao passado num contêiner/máquina do tempo e encontrar Sartana, que vive isolado nos espaços interiores de um depósito onde coleta e conserta perna mecânicas defeituosas, tendo ele próprio uma prótese. Marquim é também deficiente físico, e passa a maior parte das cenas restrito ao espaço onde vive. Ele guarda, no entanto, um segredo: num bunker subterrâneo, possui um estúdio, onde passa seus dias a narrar as memórias e tocar músicas da época do Quarteirão, transmitindo-as através da sua rádio pirata.

    Em Era uma vez, Adirley retoma o universo da ficção científica. WA4 é um prisioneiro de Estado enviado numa viagem espacial em direção ao planeta Terra. Em troca de sua liberdade, as autoridades lhe confiam a missão de assassinar Juscelino Kubitschek. Sentimos a duração da jornada em planos-sequência de longa duração em que o personagem espera a chegada e remói a saudade de casa, isso no espaço estreito da antiga nave. Ele acaba, entretanto, desembarcando na Ceilândia de 2016, que ardia em meio aos protestos. WA4 encontra Marquim, personagem de Branco sai que retorna no filme, e decide se filiar ao exército. Juntos, pretendem derrubar o Congresso Nacional.

    Para fundamentar a relação entre corpo, imagem e história, ancoramos a análise nas noções de biopolítica de Michel Foucault e do cinema de gesto de Giorgio Agamben. O objetivo é defender o processo fílmico de Adirley como um gesto de memória, desenhado pelos corpos marginalizados de Ceilândia. A partir dos conceitos de testemunho, corpo-máquina e corpo-arquivo, este trabalho pretende constituir, assim, uma leitura dos corpos atuantes no cinema do autor. Estes parecem dizer, como se pela primeira vez, que há um passado largamente soterrado por imagens do progresso de Brasília. Trata-se, portanto, como se pela primeira vez, de ouvi-los.

Bibliografia

    AGAMBEN, G. Notas sobre o gesto. In: Meios sem fim: Notas sobre a política. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

    FOUCAULT, M. Direito de morte e poder sobre a vida. In: História da sexualidade I – a vontade de saber. São Paulo: Graal, 2005.

    _____________. Aula de 14 de março de 1979. In: Nascimento da biopolítica. 1.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
    FURTADO, S; LIMA, E. Corpo, destruição e potência em Branco Sai, Preto Fica. São Paulo, Matrizes, v.1, n. 1, jan-abr, 2016, pp. 133-147. Disponível em: .

    MIGLIORIN, C. Documentário recente brasileiro e a política das imagens. In: MIGLIORIN,
    C. (Org.). Ensaios no real. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2010. p. 9-26.

    SUPPIA, A. Acesso negado: circuit bending, borderlands science fiction e lo-fi sci-fi em Branco sai, preto fica. Revista FAMECOS. Porto Alegre, v. 24, n. 1, jan.-abr., 2017.