Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    JOSE AILSON LEMOS DE SOUZA (UFBA)

Minicurrículo

    Doutorando em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com bolsa FAPESB. Possui mestrado em Letras (Literatura Comparada) pela Universidade Federal do Ceará (2012), e graduação em Letras pela Universidade Estadual do Ceará (2006). Tem experiência no ensino de língua inglesa e suas literaturas. Pesquisa as relações entre literatura e cinema com enfoque em narrativas do passado adaptadas para o cinema britânico nas décadas de 1980 e 1990.

Ficha do Trabalho

Título

    OS FILMES HERITAGE: REACIONÁRIOS OU PROGRESSISTAS?

Resumo

    Os discursos em torno dos filmes heritage dividem-se entre uma perspectiva que os interpreta como produções conservadoras, com base principalmente na ênfase em imagens do patrimônio cultural britânico, e uma outra leitura, que se concentra nas relações de poder entre sexo gênero e classe social enquanto vetores de contestação para diversas identidades contemporâneas. As produções despertam uma salutar reflexão sobre a força dos discursos críticos na elaboração de significados culturais.

Resumo expandido

    O termo heritage (patrimônio, herança) para designar filmes de época produzidos no Reino Unido, entre as décadas de 1980 e 1990, surgiu através dos discursos da crítica e da mídia em torno de produções que atraíram grande interesse do mercado norte-americano, transformando-se em grande sucesso de bilheteria e de projeção internacional através de indicações ao Oscar e de outras premiações importantes. Esses filmes, geralmente, tinham como cenário a Inglaterra do período anterior à Segunda Guerra Mundial e pareciam explorar certa nostalgia por aquele período. O termo se expandiu para designar produções europeias e de outros países. A maioria desses filmes (embora não todos) eram adaptações de clássicos literários do século XIX e começo do século XX.
    De acordo com Higson (2003), os filmes heritage se distinguem, dentre outras marcas semânticas, pelo discurso de autenticidade. Esse discurso se refere à precisão das imagens do passado, obtida através de um meticuloso trabalho de reconstituição de época. Essas imagens, mesmo quando originadas de obras de ficção, devem assegurar um forte “efeito realista” (HIGSON, 2003, p. 42). Atrelado a esse discurso está a noção de “fidelidade” da adaptação ao texto literário, decorrente, segundo Higson, de uma atitude de reverência ao material precedente. A compreensão de que as imagens do passado inglês adaptado para a tela refletiam a mentalidade conservadora, elitista e escapista de alguns setores daquela sociedade orientou a crítica, tanto acadêmica quanto midiática, num primeiro momento.
    Neste trabalho, além desta perspectiva da crítica, apresentamos outra que a contrapõe, proveniente de incursões críticas feminista e queer. Essa perspectiva se concentra nas relações de poder entre sexo, gênero e classe social, dentre outras categorias da diferença, compreendendo que os filmes heritage seriam importantes vetores de exploração crítica e de contestação para diversas identidades contemporâneas.
    A hipótese de que os filmes, independentemente de sua diversidade, “produziria” um tipo específico de espectador, conservador tanto a nível estético quanto ideológico, parece problemática. Para Monk (2011), essa leitura não reconhece outras formas de prazer que os filmes podem despertar, as quais estariam relacionadas com o sucesso de público doméstico e internacional dessas narrativas. Além de enfocar a vida de mulheres, homossexuais, lésbicas, deficientes, e outras minorias políticas, os filmes se destacam pela “sensualidade latente, iconografia, performatividade e sexualidade” que conduzem os enredos (MONK, 2011, p. 20), fornecendo assim fontes de prazer alinhadas a representações mais democráticas do que aquelas vigentes no cinema comercial.
    Juliane Pidduck (2012) afirma que os filmes heritage, assim como produções televisivas relacionadas ao gênero, foram rejeitados por setores da crítica devido à pecha de “filmes femininos” (PIDDUCK, 2012, p. 102). Partes do prazer desperto pelos filmes estão na apreciação de figurinos bem elaborados, na exibição do design artístico de objetos de época, bem como na música e na dança em alguns casos, além da performance de uma linguagem literária ou teatral, canônica ou moderna.
    O surgimento de estudos a partir da crítica feminista favoreceu leituras alternativas ao discurso crítico que compreendia os filmes heritage como produções conservadoras. A nova perspectiva centra-se em questões de gênero, sexualidade e autoconhecimento em conflito com as normas sociais. Desse modo, outros sentidos têm sido construídos, com destaque para o papel desestabilizador do pastiche para noções como as de identidades autênticas, das possibilidades libertárias da nostalgia, e as “inversões históricas” através do romance, em que uniões acontecem a despeito das diferenças de nacionalidade, classe social e gênero.

Bibliografia

    CAUGHIE, John. Small Pleasures: adaptation and the past in British film and television. Ilha do Desterro, Florianópolis, nº 32, 1997.
    COOK, Pam. Fashioning the Nation: Costume and Identity in British Cinema. London: British Film Institute, 1996.
    HIGSON, Andrew. English Heritage, English Cinema: costume drama since 1980. New York: Oxford University Press, 2003.
    HUTCHEON, Linda. Irony, Nostalgia and the Postmodern. University of Toronto English Library, 1998.
    MONK, Claire. The British Heritage Debate Revisited. In: MONK, C.; SARGEANT, A. (eds). British Historical Cinema. London: Routledge, 2002. p. 176-198.
    MONK, Claire. Heritage film audiences: period films and contemporary audiences in the UK. Edinburgh: EUP, 2011.
    PIDDUCK, Julianne. The Body as Gendered Discourse in British and French Costume and Heritage Fictions. Cinémas: Journal of Film Studies, vol. 22, nº 2-3, 2012. p. 101-125.