Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Larissa Veloso Assunção (UFPE)

Minicurrículo

    Mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Graduada em Cinema e Audiovisual em 2017, pela mesma instituição.

Ficha do Trabalho

Título

    Deslocamentos e errâncias: Chantal Akerman sob o olhar comparatista

Seminário

    Cinema comparado

Resumo

    O trabalho objetiva refletir sobre os deslocamentos e errâncias na obra da cineasta belga Chantal Akerman. Busca-se articular um olhar sobre seu cinema a partir de uma perspectiva comparatista com as obras de Jonas Mekas, Agnès Varda e Wim Wenders. Tendo Akerman como eixo central de análise, procura-se discorrer sobre a deriva pelo espaço, a sensação de não pertença e a maneira pela qual as obras dos quatro cineastas são atravessadas por essas questões, pensando suas aproximações e diferenças.

Resumo expandido

    “Eu não sinto que pertenço… Estou apenas desconectada… De praticamente tudo”, Chantal Akerman nos diz em seu filme Lá-Bas (2006). Cineasta belga de origem judia, Akerman sempre teve sua obra atravessada por questões relativas ao espaço, ao trânsito, ao deslocamento. Há, em seu cinema, a recorrente sensação de não pertencimento e uma espécie de impossibilidade de habitar o mundo que atravessa seus personagens. Em seus filmes, parece haver sempre alguém em vias de partir ou de iniciar uma deambulação sem destino. São figuras errantes, deslocadas. Questões similares se apresentam nos filmes do lituano Jonas Mekas, da francesa Agnès Varda e do alemão Wim Wenders. Em todos eles, personagens em deriva atravessam espaços, cruzam fronteiras. Não se trata apenas de um deslocamento interno à narrativa, mas os próprios cineastas realizaram também trajetos para além das fronteiras de seus países. “Um exilado está sempre deslocado. Como é nascer num lugar, ficar e viver ali, saber que se pertence a ele, mais ou menos para sempre?” (SAID, 2003, p. 57). Parece ser essa a questão que reverbera, cada qual à sua maneira, nos filmes dos cineastas aqui considerados.

    Jonas Mekas, de origem judia como Akerman, viveu nos Estados Unidos durante 25 anos, longe de sua terra natal. Wim Wenders também reside por um tempo em terras estadunidenses, tensionando a todo momento a relação da cultura de seu país de origem com o que ele chama de “americanização” da Alemanha no contexto pós-guerra. Agnès Varda realiza filmes marcados pela errância e pelo deslocamento de suas personagens, especialmente da figura feminina – o que permite uma conexão com Akerman a partir da noção de gênero. Por fim, a própria obra de Chantal Akerman é profundamente marcada pelos deslocamentos através do espaço. Notícias de Casa (1977), por exemplo, traz imagens de uma Nova York vista a partir do olhar estrangeiro, em que a cineasta transita pelas ruas e estações de metrô da cidade enquanto narra as cartas de sua mãe.

    Em todos esses cineastas, o lugar de estrangeiro é algo que atravessa as questões fílmicas como um todo – e aqui não apenas em termos de conteúdo, mas nas próprias experimentações formais e estilísticas, se aproximando do que Hamid Nacify (2001) chama de “cinema com sotaque”, feito por cineastas deslocados, em trânsito ou mesmo em exílio. Essa sensação de desenraizamento perpassa diversas obras desses cineastas, e tendo Akerman como eixo principal de análise, cabem aqui as palavras de Anita Leandro quando diz que “como nas teses de Walter Benjamim sobre a História, na obra de Akerman a imagem do passado só aparece num lampejo (…) O holocausto do povo judeu, por mais determinante que tenha sido para a constituição de sua pessoa (…), só aparece em seus filmes filigranado. (…) Como uma dor infinita que habita seus filmes” (2010, p. 97). Essa espécie de melancolia na relação com o espaço também se faz presente nos demais cineastas, ainda que cada um deles vá ser atravessado por questões outras, ora semelhantes, ora divergentes.

    Este trabalho busca analisar a obra de Akerman, portanto, não como fechada em si ou inserida numa noção fixa de contexto histórico ou de procedimentos formais específicos de um dado período cinematográfico. Ao contrário, procura-se um tipo de abordagem que, menos do que encerrar noções, possibilite a ampliação de campos de discussão teórica. A perspectiva comparatista, portanto, nos termos em que Souto (2016) coloca – a partir da noção benjaminiana de constelação, se mostra enriquecedora, visto que é um procedimento metodológico de colocar “em relação elementos que, antes apartados, agora são aproximados por um gesto ativo do pesquisador” (SOUTO, 2016, p. 19). Nesse sentido, as possibilidades de conexões são múltiplas. Se individualmente certas questões aparecem na obra de cada um dos realizadores, é no pensamento em conjunto que se fazem emergir esses afetos com outra força, como se uma obra fizesse ver melhor o que há na outra.

Bibliografia

    BOWRING, Jacky. Melancholy and the landscape: locating sadness, memory and reflection in the landscape. Routledge, 2016.

    COMOLLI, Jean-Louis. A cidade filmada. In: Ver e poder. A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

    JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador: EDUFBA, 2012.

    LEANDRO, Anita. Cartografias do êxodo. Belo Horizonte: Devires, v. 7, n.1, p. 94-111, jan./jun, 2010.

    NAFICY, Hamid. An accented cinema: exilic and disporic filmmaking. Princeton University Press, 2001.

    SAID, Edward W. Reflexões sobre o exílio. In: Reflexões sobre o exílio: e outros ensaios. Editora Companhia das Letras, 2003.

    SOLNIT, Rebecca. A história do caminhar. São Paulo: Martins Fontes, 2016.

    SOUTO, Mariana. Infiltrados e invasores: uma perspectiva comparada sobre as relações de classe no cinema brasileiro contemporâneo. Tese de doutorado. Belo Horizonte: UFMG, 2016.