Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Isabel Paz Sales Ximenes Carmo (UPVM3/Unicamp)

Minicurrículo

    Doutoranda em Estudos cinematográficos e audiovisuais/História, Estética e Domínios de Aplicação do Cinema e da Fotografia, na Universidade Paul-Valéry Montpellier 3 (França), em cotutela com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Orientada por Maxime Scheinfeigel (Montpellier 3) e Pedro Maciel Guimarães (Unicamp). Mestra em Comunicação – Fotografia e audiovisual pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e bacharela em Comunicação Social – Jornalismo, também pela UFC.

Ficha do Trabalho

Título

    Do grotesco ao antropofágico: corpos e rostos sganzerlianos

Seminário

    Corpo, gesto e atuação

Resumo

    Nos filmes de Rogério Sganzerla, os corpos estão em constante movimento, muitas vezes de forma frenética e caótica; o rosto, por sua vez, serve como enquadramento para a boca, que assume um caráter escatológico. Pretendemos aqui analisar três filmes, A mulher de todos, Sem essa, aranha e Copacabana mon amour, a partir dos conceitos de grotesco e antropofágico, segundo Mikhail Bakhtin e Oswald de Andrade, e assim contribuir para a reflexão sobre a representação do corpo na obra sganzerliana.

Resumo expandido

    Propomos realizar uma breve análise do caráter grotesco e antropofágico do corpo e notadamente do rosto em três filmes do cineasta brasileiro Rogério Sganzerla: “A mulher de todos” (1969), “Sem essa, aranha” (1970) e “Copacabana mon amour” (1970). Nesses filmes, os corpos estão constante movimento, muitas vezes frenético, fora de controle. Os atores correm, dançam, chutam, pulam, sufocam uns aos outros, ações que, na maior parte do tempo, pareceriam caóticas e sem sentido se executadas dentro de um filme de ficção naturalista. Porém, elas cabem no universo absurdo do Cinema Marginal, e são mesmo necessárias para reforçá-lo ou construí-lo. Nesse sentido, a corporeidade na obra sganzerliana pode ser associada à ideia da monstruosidade, do exagero e, especialmente, do grotesco.

    É possível observar diversas semelhanças entre o conceito do corpo grotesco explorado por Mikhail Bakhtin, em seu estudo sobre a obra de François Rabelais, e a representação corporal no cinema de Sganzerla. De acordo com o autor russo, “o corpo grotesco é um corpo em movimento. Ele nunca está pronto ou terminado: ele está sempre em estado de construção, de criação, e ele mesmo constrói um outro corpo; mais do que isso, esse corpo absorve o mundo e é absorvido por este último.” (1970, p. 315).

    É justamente a boca o grande interesse do rosto nos filmes de Sganzerla. Se, por um lado, esses rostos são enquadrados de diferentes maneiras (em close-up em “A mulher de todos”; recorrendo ao uso de diferentes acessórios e ângulos em “Sem essa aranha” e “Copacabana mon amour”), a boca parece existir unicamente em função desse corpo, que quer engolir e regurgitar o mundo: comer, beber, fumar, morder e lamber; vomitar, cuspir, tossir, falar, gritar, cantar e recitar. Em “Sem essa, aranha”, a personagem de Maria Gladys grita continuamente: “Ai, que dor de barriga! Que fome!”. Em outra cena, enquanto dançarinas seminuas se movem pelo salão, a câmera procura por Helena Ignez, que começa a induzir o próprio vômito com o dedo. A boca é, para o corpo grotesco, o único interesse do rosto. “Todo o resto serve apenas para enquadrar essa boca, esse abismo corporal enorme e devorador.” (BAKHTIN, 1970, p. 315)

    Já em “A mulher de todos”, a boca de Ângela Carne e Osso (Helena Ignez) torna-se uma ferramenta cuja característica grotesca é marcada pela sexualidade. Alegoria da femme fatale, independente e liberal, Ângela dá beijos escatológicos, exagerados, como uma metonímia do ato sexual. Ela tenta comer, por exemplo, um vinil; ela morde um amante até fazê-lo sangrar. A língua estirada, uma faca entre os dentes e as palavras “Eu sou Ângela Carne e Osso. A ultrapoderosa inimiga número 1 dos homens” anunciam seu caráter feroz.

    Acreditamos que a representação da boca possui um papel central no cinema de Sganzerla na medida em que funciona como uma metonímia do processo antropofágico criador empreendido pelo cineasta. Ambos o grotesco de Rabelais e o antropofágico de Oswald de Andrade – que muito influenciou o Cinema Marginal – compartilham do mesmo caráter cósmico: “Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.” (ANDRADE, 1924). Pretendemos aqui trabalhar os três filmes em relação a tais conceitos, lançando mão de outros aspectos importantes à análise, como o jogo atoral, a fotografia e a montagem.

Bibliografia

    AUMONT, J. Du visage au cinéma. Paris: Cahiers du cinéma, 1992.
    BAKHTIN, M. L’œuvre de François Rabelais et la culture populaire au Moyen âge et sous la Renaissance. Paris: Gallimard, 1970.
    COURTINE, J.; HAROCHE, C. Histoire du visage: exprimer et taire ses émotions du XVIe siècle au début du XIXe siècle. Paris: Petite bibliothèque Payot, 2007.
    DAMOUR, C. Jeu d’acteurs: corps et gestes au cinéma. Strasbourg: Presses universitaires de Strasbourg, 2016.
    GARCIA, E. P. Belair e Cine Subterráneo: o cinema moderno pós-1968 no Brasil e na Argentina. Tese, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2018.
    GUIMARÃES, P. M. Erigir novos corpos, reinventar personas: o ator moderno do cinema brasileiro. REVISTA FAMECOS (ONLINE), v. 21, p. 287-307, 2014.
    XAVIER, I. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema novo, tropicalismo e cinema marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
    ______. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001.