Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Patricia Rebello da Silva (UERJ)

Minicurrículo

    Professora adjunta da Faculdade de Comunicação Social da UERJ desde 2012, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UERJ, participa do processo de seleção/curadoria das mostras competitivas de curta metragem nacional e internacional do É Tudo Verdade Festival Internacional de Documentários desde 2008, pesquisadora de cinema documentário, com recorte que privilegia o cinema reflexivo, o filme autobiográfico, o filme ensaio e o filme de arquivo.

Ficha do Trabalho

Título

    Rastros de fogo no vento: o cinema político de Marceline Loridan

Seminário

    Mulheres no cinema e audiovisual

Resumo

    O trabalho lança um olhar sobre a importância das concepções cinematográficas de Marceline Loridan (1928-2018) na consolidação de um dos momentos mais vigorosos da história do documentário.Por meio da parceria com Joris Ivens (1898-1989), Loridan pode ser compreendida como um dos nomes essenciais na cena do documentário político da segunda metade do século XX. Pensar os rastros da diretora nos filmes, suas orientações marcadas pelo afeto e a autobiografia são os objetivos iniciais da pesquisa.

Resumo expandido

    A sequência de fotografias, – na verdade, quadros -, na abertura de “O 17o Paralelo: a guerra do povo” (1968), de Joris Ivens e Marceline Loridan, se encerra com uma imagem que tangencia importantes questões e atualizações no documentário naquele momento: a presença do equipamento de filmagem miniaturizado, mais leve e portátil, que inaugura o uso sistemático do filme de 16mm no plano profissional; a incorporação da figura do diretor e da equipe de filmagem nas imagens que informam o espectador qual a história que está sendo contada, retórica dos filmes do cinema direto, nos EUA, e do cinema verdade, na França; o fora de campo como recurso narrativo indiscutível de uma geração que já compreendia a urgência em pensar a imagem não como uma resposta, mas muito mais como o lugar onde justamente nascem as perguntas. Na fotografia, a equipe é registrada de perfil, em plano médio, filmando uma ação que escapa da imagem, do lado direito de quem olha a foto, no fora de campo. Do lado esquerdo, também quase escapando aos limites desse registro, a silhueta de um rosto sobressai: o de Marceline Loridan. A história que nos interessa contar aqui passa diretamente pela importância dessa personagem, ainda hoje bem pouco discutida, na consolidação de um dos momentos mais vigorosos da história do documentário.
    Por meio de uma bem sucedida parceria com Joris Ivens (1898-1989), notável documentarista holandês, e justamente por conta dos afetos e interesses mútuos, ao longo dos mais de trinta anos de relacionamento, que permitiu o aparecimento de produções vigorosas na obra do realizador, como o monumental “Como Yukong moveu as montanhas” (1976), série de doze episódios sobre a influência da Revolução Cultural na vida cotidiana da China. Interessa a esse trabalho, pensar a importância da concepção cinematográfica de Marceline Loridan como um dos nomes definitivos na cena do documentário político da segunda metade do século XX.
    A primeira aparição de Marceline diante de uma câmera marca não apenas o começo de sua história com o cinema, mas também o gesto inaugural de resistência daqueles que, diante do inominável, assumem o olhar da incomunicabilidade como um possível: o monólogo da jovem à deriva na Praça da Concórdia, na Paris de “Crônica de um verão” (1961), de Jean Rouch e Edgar Morin, lança luz sobre uma vida marcada pela deportação para o campo de concentração de Auschwitz. E quando se descobre que falar da morte daqueles que estão mortos, como escreve Mondzain (2006), é falar sobre a morte daqueles que estão vivos, sobre a vida dos mortos que habitam o corpo e o espírito dos vivos? A que ponto podemos sobreviver a eles? Rememorando uma carta do pai, que não sobreviveu ao Holocausto, “um pedaço de papel pouco legível, cortado em um dos lados”, escreve Marceline no seu livro de memórias, e retomando a leitura em um trecho no documentário “Marceline: uma mulher, um século” (2018), de Cordelia Dvorák, diz Loridan: “Tenho certeza de uma linha, a primeira, ‘Minha querida filhinha’, também da última, sua assinatura, ‘Schloïme’. Entre os dois, eu não sei mais. (…) Eu busco, mas é como um buraco, e eu não quero cair”.
    Do medo surge a coragem de fazer as perguntas, e toda uma vida interessada nas rupturas e fissuras no cotidiano de povos e culturas durante importantes acontecimentos políticos da segunda metade do século XX: a guerra da independência da Argélia, a guerra do Vietnã e a revolução cultural na China na década de 1970, por exemplo. A memória dos campos retorna ainda, e de forma subjetivamente elaborada, no filme de ficção “A bétula da pradaria” (2002), onde encena seu retorno contemporâneo ao campo de extermínio. Se, como escreve Didi-Huberman (2019), o pensamento político contemporâneo parece assombrado por um “gosto de cinzas”, onde a catástrofe assoma como um campo de ruínas, a obra de Marceline Loridan, desejante e desobediente, aponta para um sentimento de liberdade e de vôo talvez, mais que nunca, urgente e necessário.

Bibliografia

    DANEY, S.; GIRAUD, S. Comment Yukongs deplaça les montagnes. Entretien avec Joris Ivens et Marceline Loridan. Cahiers du Cinéma, n. 266-267, maio, 1976.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Désirer Désobeir: ce qui nous soulève, 1. Paris: Les Éditions de Minuit, 2019.
    HERBECK, Mariah D. Wandering Women in French Film and Literature. NY: Palgrave Macmillan, 2013.
    IVENS, J; LORIDAN, M. La Révolution Culturelle dans les studios en Chine. Cahiers du Cinéma, 236-237, março-abril, 1972.
    LAUFER, Laurie. L’énigme du deuil – preface Marie Jose MONDZAIN. Paris: Presses Universitaires, 2006.
    LORIDAN-IVENS, M. Et tu n’est pas revenu. Paris: Grasset, 2015.
    RAMANATHAN, Geetha. Feminist Auteurs: Reading Women’s Films. Londres; NY: Wallflower, 2006.
    SERGENT, Jean Pierre. Joris Ivens e Marceline Loridan: um encontro frutífero. DocLisboa 2010 VII Festival Internacional de Cine.
    WAUGH, Thomas. The conscience of cinema: the works of Joris Ivens 1926-1989. Amsterdam: Amsterdam Univ. Press, 2016