Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Bernadette Lyra (UFES)

Minicurrículo

    Doutora em Artes/Cinema pela ECA/USP com pós-doutorado na Université René Descartes, Sorbonne, Paris. Sócia fundadora e atual membro do Comitê Científico da SOCINE. É Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFES. Publicou Fotogramas do Brasil (2014) e O jogo dos filmes (2018) além de outros livros, participação em antologias e artigos em revistas da área de Cinema e Audiovisual, no Brasil e no exterior.

Ficha do Trabalho

Título

    O FILME MUSICAL DE GANGSTERS CONTEMPORÂNEO E O CINEMA DO SENSÍVEL

Mesa

    A MEMÓRIA CULTURAL DO CINEMA DE GÊNERO: UM MUSICAL DE GANGSTERS HOJE

Resumo

    Na memória do cinema, o lisível e o visível são diferentes ordens de articulação das experiências de espectadores de um filme. Este trabalho aponta uma terceira via, o sensível, voltado à experiência cinematográfica em um filme musical de gangsters contemporâneo. Para isso, são analisadas as bandas sonora e imagética do filme Baby Driver (2017), de Edgar Wright, à luz de desdobramentos teóricos da produção de presença e noções de ambiência, atmosfera e clima, expostas por Hans Ulrich Gumbrecht.

Resumo expandido

    A memória cultural do cinema permite construir uma imagem do passado dos gêneros cinematográficos através de materialidades narrativas e tecnológicas, apreendidas nesse processo. O passado que esse tipo de memória refaz confirma uma imagem e uma identidade, que permitem o entendimento de produções cinematográficas do presente, uma vez que a formação genérica primitiva é mantida, mas diversificada diante das circunstâncias técnicas, estéticas e socioculturais que vão se acumulando e se sucedendo, ao longo do tempo, em produção após produção. Essa é a premissa básica que sustenta este trabalho sobre o filme Baby Driver (2017), de Edgar Wright, aqui considerado um musical de gangsters, o que , por si só, remete à importância da chegada da tecnologia sonora ao cinema, após um início em que as limitações técnicas a impediam, como observa Nöel Bruch, que comenta o quanto público de então sentia necessidade de um acompanhamento sonoro para as imagens, pois o silêncio era insuportável. O fato é que a tecnologia do som, revitalizou os estúdios e, na década de 30, promoveu a expansão de gêneros, em especial os filmes de gangsters e os musicais, que iniciam uma era de sucesso de mercado e de público. É importante frisar que a chegada do som no cinema possibilitou ao espectador dos filmes de gângster e dos musicais uma relação sensorial que não era possível no cinema mudo. Mas vale lembrar que a adaptação do som à narrativa se fez por meio de uma lenta e progressiva evolução, em que a tecnologia, a técnica e a estética entram como parceiras. O certo é que os filmes de gangsters logo se beneficiaram dos ruídos de tiros, dos gritos, do derrapar dos pneus de carros em fuga que são seus elementos climáticos; ao mesmo tempo, os musicais iniciavam o uso do som como foco principal da narrativa, ao lado das danças. De toda forma, esses dois gêneros se concretizam em filmes que possibilitam uma atmosfera específica, pois os espectadores assistem a eles em duas vias possíveis da conjugação entre o som e a imagem: a lisibilidade, que permite acompanhar a história narrada, e a visibilidade, sustentada pela consonância ou dissonância material de elementos sonoros e imagéticos. A partir dessas considerações iniciais, torna-se possível selecionar para análise um filme atual que, através de uma condição específica de ser um musical de gangsters, consegue juntar todos os elementos presentes nessas duplicidades apontadas e ultrapassá-las na experiência dos espectadores, que podem apreender nele uma terceira via, o sensível, depreendida tanto de demarcações narrativas tradicionais quanto da atualização tecnológica atualíssima do uso do som e da imagem. Assim, em Baby Driver − embora tudo remeta a um comprometimento fiel com o passado dos gêneros envolvidos − as atualizações de uma tecnologia sonora de última geração, os movimentos dançantes (que ficam por conta do inusitado balé de um automóvel Subaru WRX dirigido em alta velocidade pelo Baby Driver do título, sempre plugado a seu I Pod) e as histórias envolvendo gangs de criminosos, roubos a banco, vingança, mortes, dinheiro e armas tornam possíveis as atmosferas existentes entre o corpo do filme e os afetos dos espectadores atuais, em consonância com o apelo ao sensível, tal como ensina Hans Ulrich Gumbrecht ao se referir ao Stimmung e às formas de presença, em seus estudos, possibilitando outras reflexões sobre as noções de atmosfera, clima ou ambiência nos estudos do cinema.

Bibliografia

    BURCH Noël. Praxis do cinema. São Paulo: Perspectiva, 2011
    CHION, Michel. La audiovisión – Introdución a un análisis conjunto de la imagem y el sonido. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, S.A, 1994.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera, ambiência, Stimmung: sobre um potencial oculto da literatura. Rio de Janeiro: Contraponto: Editora PUC-Rio, 2014.
    _____. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto: PUC-Rio, 2010.
    MARTONI, Alex Sandro. Lendo ambiências: o reencantamento do mundo pela técnica.. Tese. Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura. Orientação: Adalberto Müller Junior. Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, 2015, 269 páginas.
    MASON, Fran. Modernity and the Classical Gangster Film. In American Gangster Cinema. From Little Caesar to Pulp Fiction. New York: Palgrave Macmillan, 2002, pp. 1 – 30.
    WEIS, Elizabeth e BELTON, John. (eds.) Film Sound Theory and Practice. New York: Columbia University Press, 1985.