Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    KENIA CARDOSO VILACA DE FREITA (UNESP)

Minicurrículo

    Pós-doutoranda (CAPES/PNPD) em Comunicação da UNESP. Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Realizou a curadoria das mostras “Afrofuturismo: cinema e música em uma diáspora intergaláctica”, “A Magia da Mulher Negra” e “Diretoras Negras no Cinema brasileiro”. Escreve críticas para o site Multiplot! Integra o Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    Estratégias críticas de fabulação no cinema negro

Seminário

    Cinema Negro africano e diaspórico – Narrativas e representações

Resumo

    Nesta comunicação iremos nos questionar como podemos pensar as estratégias afro-fabulares que os filmes da produção contemporânea do cinema negro movimentam. Para isso, dialogaremos com os conceitos de afro-fabulação (Tavia Nyong´o) e fabulação crítica (Saidiya Hartman). Levantaremos a hipótese de que as estratégias críticas de fabulação neste cinema abrem um campo de investigação para as expressões artísticas negras para além da representação e da representatividade.

Resumo expandido

    Gilles Deleuze ao refletir sobre os regimes de imagens do cinema moderno volta ao conceito de fabulação para explorar as potências do falso que atravessam sobretudo os filmes documentais nos quais personagens reais tensionam as separações entre a ficção e o real. Um deslocamento do regime verídico (dos dominantes/colonizadores) para a função fabuladora dos pobres, da sua potência do falso, de invenção de si na imagem, do encontro no cinema entre diretor e personagem. Nesse jogo de fabulação seria quebrado o lugar da identidade entre quem filma e quem é filmado (Eu=Eu) e no lugar construída a relação Eu=Outro (DELEUZE, 2007).
    A partir de uma perspectiva contemporânea dos estudos acadêmicos negros, Kara Keeling aponta uma ausência de criticidade de Deleuze em relação a este processo: “Há um perigo nesse impulso de se tornar o outro (…) quando o Eu afirmando ser outro ocupa uma posição de privilégio em relação às hierarquias de poder existentes” (KEELING, 2011, p. 63-64). Esse perigo se situa no tensionamento entre a insistência no apontamento das especificidades históricas e a reivindicação por ruptura histórica – na tensão entre produção e reprodução das diferenças. Quais sujeitos deveriam (e poderiam) reivindicar tais rupturas e quais sujeitos possuem concretamente nas correlações de forças estabelecidas socialmente agência para operá-las? Nos questiona Keeling.
    Ainda assim, para Keeling, uma segunda acepção de Eu=outro possibilitaria pensar a formulação para além das questões de apropriação identitária, sobretudo quando a enunciação subverte-se em Você=Nós. Esse segundo uso da formulação se filiaria a uma política de identidades que aponta os intervalos, as lacunas ou as quebras nas relações de identificação. Podemos vislumbrar esses elementos no terreno das narrativas afro-fabuladoras e de fabulação crítica, que pensam nas complexidades dos processos de identificação e alteridade das existências negras e das suas criações artísticas.
    Tavia Nyong’o (2019) questiona se “uma poética da afro-fabulação poderia suplementar, ou mesmo suplantar, a política da representação?”. Tais estratégias de afro-fabulação para Nyong’o seriam formas de tirar o peso que as artes negra e queer carregam a partir das lógicas identitárias e representacionais, apontando, no lugar, para formas expressivas mais fugitivas e performáticas. Essa estratégia expressiva passa também pela proposta de fabulação crítica da historiadora Saidiya Hartman (2008).
    Partindo de um processo leitura crítica dos arquivos históricos do Atlântico Negro, Hartman diante da incontornável e insuportável violência destes arquivos, assume a impossibilidade da representação (que apenas poderia reproduzir e/ou atualizar o processo violento). A historiadora manifesta assim, como alternativa, a necessidade da encenação na pesquisa e interpretação dos arquivos. O que Hartman incorpora ao processo de veridicção histórica é o elemento imaginativo, o subjuntivo do passado, o “e se” – não em um sentido falsificante (ou seja, oposto ao verdadeiro), mas fabulatório (que não pode e não quer ser verificado).
    Se pensarmos na produção de cineastas negros brasileiros contemporâneos, podemos destacar que uma parcela significativa desta é atravessada pelo que o crítico e curador Heitor Augusto chama de “desejo por experimentação formal” (AUGUSTO, 2018). Destacamos esse desejo em filmes como: Kbela (Yasmin Thayná, 2015), Elekô (Mulheres de Pedra, 2015), Experimentando o Vermelho em Dilúvio (Michelle Mattiuzzi, 2016), Arco do medo (Juan Rodrigues, 2017), BR3 (Bruno Ribeiro, 2018). É Importante frisar, como nos lembra Heitor Augusto, que o cinema negro brasileiro já surge atravessado deste desejo no curta-metragem seminal de Zózimo Bulbul, Alma no olho (1973).
    São as estratégias afro-fabulares que estes filmes movimentam – pela presença dos corpos negros que recusam as determinações representativas do ficcional ou do documental – que iremos pensar nesta comunicação.

Bibliografia

    AUGUSTO, Heitor. “Passado, presente e futuro: cinema, cinema negro e curta-metragem”. In: SIQUEIRA, Ana [et al]. Festival Internacional de curtas de Belo Horizonte (catálogo). Belo Horizonte: Fundação Clóvis Salgado, 2018.
    BARROS, Laan Mendes de; FREITAS, Kênia. Experiência estética, alteridade e fabulação no cinema negro. Revista ECO-Pós, [S.l.], v. 21, n. 3, p. 97-121, dez. 2018.
    DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo. São Paulo: Brasiliense, 2007.
    HARTMAN, Saidiya. “Venus in Two Acts”. In: Small Axe, 1 June 2008.
    KEELING, Kara. “I = Another: Digital Identity Politics.” In: HONG, Grace Kyungwon; FERGUSON, Roderick A. (org.). Strange Affinities: The Gender and Sexual Politics of Comparative Racialization. Durham: Duke University Press, 2011.
    NYONG’O, Tavia. Afro-Fabulations The Queer Drama of Black Life. New York: NEW YORK UNIVERSITY PRESS, 2019.