Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Ricardo Lessa Filho (UFPE)

Minicurrículo

    Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre pela mesma instituição com a dissertação “Entre imagens e sobrevivências: notas sobre Noite e neblina e Shoah”.

Ficha do Trabalho

Título

    Entre espectros e escuridão: notas sobre os refugiados em Border

Resumo

    O trabalho se propõe pensar, através das imagens de Border, a questão dos refugiados na região francesa de Sangatte. Nestas imagens buscamos aproximar os refugiados com a questão dos espectros – estes seres de outra parte que o mundo ocidental busca excluir de todas as maneiras –, assim como o problema da hospitalidade historicamente negada a estas vidas já tão dilaceradas pelas fugas da morte, da guerra, e que não desejam outra coisa senão uma nova possibilidade para poder recomeçar suas vidas.

Resumo expandido

    Um filme ensombrecido. Imagens, sem dúvida, estilhaçadas por uma escuridão granulada – como que para lembrar-nos de algo como um buraco negro, como um dilaceramento sem fim. Assim são as imagens de Border (2004), filme dirigido por Laura Waddington que mostra alguns refugiados na região francesa de Sangatte e que parece seguir à risca, em sua materialidade enquanto imagem, as exigências de Theodor Adorno sobre a obscuridade da arte a partir de 1945, a saber, aquilo que o filósofo alemão chamou de o “ideal do negro” (Ideal der Schwärze), aquilo que seria portanto uma marca privilegiada de uma arte declarada “radical” (radikale Kunst), a partir dos quadros suprematistas de Malévich, até os monocromos negros de Ad Reinhardt, sem contar, no cinema, os planos negros e mudos do filme de Guy Debord: Hurlements en faveur de Sade (1952).

    Esta ideia de Adorno, sem dúvida, nos ajudará a pensar as imagens de Border, assim como as palavras de Hannah Arendt que em 1943 escrevera um ensaio pouquíssimo conhecido e difundido chamado, justamente, “We refugees” (2012), e onde a filósofa alemã, depois de ter passado mais de uma década fugindo dos campos nazistas até instalar-se definitivamente nos Estados Unidos – ou seja, com um conhecimento de causa interminável para falar sobre a sua própria condição de imigrante, é dizer, de refugiada -, fala da realidade, já na década de 1940, de tantos seres humanos que buscavam um novo pedaço de terra e um novo país para poder recomeçar suas vidas dilaceradas pelas guerras e pelas mortes.

    No filme de Waddington, que tem quase que exatamente a mesma duração de Nuit et brouillard (1955) de Alain Resnais – e talvez sirva para nos mostrar que para filmar os “buracos negros” de nossa história não é preciso durações colossais de imagens –, suas incursões para registrar os refugiados de Sangatte é permeada quase que em sua totalidade por um gesto de silêncio: os seres fugitivos aparecem como espectros, como seres vindos de outra parte ou de outro tempo e que buscam, custe o que custar, um lugar legítimo no mundo; nesta aparência espectral que eles portam o silêncio é aliado primordial de suas travessias, de suas vidas colocadas em jogo: é no silêncio mesmo que eles poderão escapar das luzes policiais que lhes perseguem, é na supressão de qualquer ruído que eles poderão alcançar o túnel sob o Canal da Mancha e realizar, não sem exasperação e dor, a travessia que eles tanto desejam.

    Também apoiado nos pensamentos de Jacques Derrida sobre os espectros (qual a razão perversa que faz que o mundo ocidental renegue de maneira absoluta estas vidas humanas, que as percebam como espectros, isto é, como seres de outra parte e de outro tempo que precisam ser conjurados, expulsos?) e sobre a hospitalidade (como medir a desumanidade que emerge quando nos tornamos incapazes de acolher o outro, o estrangeiro?), como também nas incursões teóricas e morfológicas de Georges Didi-Huberman sobre as imagens-vagalumes (elas que necessitam da escuridão para resplandecerem, assim como as vidas humanas em Border) e sobre as imagens dos imigrantes (que não são outra coisa senão os nossos pais que retornam e negar-lhes um lar é portanto negar a nossa própria ancestralidade – e que desta maneira nos obriga a remontar ao surgimento dos Homo Sapiens).

    Assim, o trabalho a partir destas imagens emergidas à luz, tentará, teórica e morfologicamente, ascender um olhar ao Outro que (re)aparece para clamar sua dignidade como vida humana, e no mesmo movimento, tentaremos, sem dúvida, buscar compreensões de que quando uma sociedade começa a confundir seu vizinho com o inimigo, ou melhor o estrangeiro com o perigo, quando inventa instituições para pôr em ato esta confusão paranoica, então podemos dizer, com toda lógica histórica – e não segundo um simples ponto de vista ético –, que está perdendo sua cultura, sua própria capacidade de civilização, de humanidade

Bibliografia

    ADORNO, Theodor W. Teoría estética. Madrid: Ediciones Akal, 2004.
    ARENDT, Hannah. Nós, os refugiados. Covilhã: LusoSofia press, 2013.
    BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012a.
    DERRIDA, Jacques. Da hospitalidade. São Paulo: Escuta, 2003.
    DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Passer, quoi qu’il en coûte. Paris: Minuit, 2017.
    DIDI-HUBERMAN, Georges.. Cuando las imágenes tomam posición. El ojo de la historia, 1. Madrid: A. Machado Libros, 2008.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
    LE BRAS, Hervé. Le sol et le sang. Rhétoriques de l’invasion. La Tour-d’Aigues: Editions de l’Aube, 2012.
    MATAZZI, I.; DIDI-HUBERMAN, G. Atlanti della contemporaneità. IN: ALLEGORIA, v. 62, pp. 83-91, 2010.