Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Licia Marta da Silva Pinto (UFF)

Minicurrículo

    Doutoranda em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal Fluminense e mestre em Comunicação Social pela Puc Rio. Tem como áreas de interesse o cinema latino-americano, emprego doméstico, território e audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    La Teta Asustada, Roma e o conflito étnico-racial latino-americano

Seminário

    Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados

Resumo

    A presença da empregada doméstica nos produtos culturais latino-americanos não é algo novo. No entanto, em representações recentes, esta personagem ganhou protagonismo em diversas representações midiáticas que trouxeram à tona discussões a respeito de condições de desigualdade e subalternização comuns na vida destas trabalhadoras. Neste trabalho, iremos nos ater a questão étnico-racial e suas problemáticas presente nos filmes La Teta Asustada (2009) e Roma (2018).

Resumo expandido

    Conforme explica Aníbal Quijano (2005), o processo colonial na América se deu a partir de dois principais eixos: a distinção dos sujeitos a partir da classificação étnico-racial – combinada com a primeira categoria diferenciadora entre os sujeitos, ou seja, o gênero; e o nascimento de uma nova estrutura de controle do trabalho, pela reiteração do capital. Assim, dentro do universo trabalhista as categorias raça e trabalho foram relacionadas de forma a parecerem naturalizadas, destinando práticas trabalhistas subalternas e/ou com baixa remuneração a raças não-brancas.

    Esse arranjo, baseado numa “pretensão eurocêntrica de ser a exclusiva produtora e protagonista da modernidade” (QUIJANO, 2005, p. 112), gestou uma racionalidade específica (eurocentrismo) e organizou as relações sociais sob o aspecto de dominação e hierarquias, mantendo-se até os dias atuais por meio de práticas que constitui aquilo que Quijano define como colonialidade do poder. Desse modo, podemos pensar no emprego doméstico como uma forte herança colonial presente no contexto moderno, principalmente se levarmos em consideração que o grande contingente de domésticas é constituído por mulheres negras e indígenas.

    Convocamos então os filmes La Teta Asustada e Roma protagonizados por atrizes de origem indígena, Magaly Solier Romero e Yalitza Aparicio, no papel de empregadas domésticas para discutirmos como as hierarquias e práticas de desumanização dessa “Outra” se coloca através da construção da linguagem e narrativa do produto fílmico. Em La Teta Asustada, Fausta por conta do falecimento de sua mãe e da falta de dinheiro para realizar o enterro da mesma em outra cidade, torna-se empregada doméstica na mansão colonial, denominada simbolicamente de Casa Grande, da pianista Aida. A empregada passa por diversas humilhações e pouco fala, mas passa a cantar músicas em quíchua, sua língua nativa, ensinadas pela sua mãe. Logo desperta o interesse em Aida que se apropria das canções e as apresenta em seus espetáculos sem dar os devidos créditos e as pérolas prometidas como remuneração à Fausta. Em Roma Cleo, uma das empregadas que trabalham na casa de Sofia e sua família composta por quatro crianças, sua mãe e seu marido ausente, também é silenciosa e servil. A empregada divide-se entre as inúmeras tarefas da casa e os cuidados com as crianças, trabalhando a noite e em datas festivas, como o natal. Durante uma de suas folgas, Cleo engravida de um rapaz com quem estava saindo e durante uma emblemática cena que recria o massacre de Corpus Christi, perde o bebê. Mesmo assim, a empregada continua trabalhando incessantemente para Sofia, abandonada pelo marido ao longo da trama, sob o pretexto de estar saindo de férias para relaxar junto com a família.

    Iremos nos embasar nas discussões de autores que abordam a questão racial no contexto de colonialidade para então observarmos como se dá a constante demarcação de inferioridade dessas sujeitas subalternas nos referidos filmes. Seja através de planos, diálogos, fotografia, posicionamento de câmera e até mesmo no extra-fílmico, como no ataque sofrido pela atriz Yalitza Aparicio, indicada ao Oscar, por artistas, apresentadores e diretores mexicanos que não aceitaram o fato de uma indígena estar concorrendo ao prêmio de melhor atriz e proferiram diversas falas de cunho racista como, por exemplo, seu sucesso ser devido à “sorte das feias”.

Bibliografia

    CANCLINI, Nestor García. Contradições latino-americanas: Modernismo sem Modernização? In_____. Culturas híbridas. São Paulo: EdUSP, 2000.
    CASANOVA, Pablo González. Sociedad plural, colonialismo interno y desarrollo. In: América Latina, Centro Latinoamericano de Investigaciones en Ciencias Sociales, ano 6, n. 3, pp. 15-32, 1963. 

    DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. São Paulo, Perspectiva, 2012.
    GUILLÉN, Jaime Torres. El concepto de colonialismo interno. Universidad Nacional Autónoma de México – Instituto de Investigaciones Sociales. México, 2017.
    MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 Edições, 2018. (cap 1: O sujeito racial).
    QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
    SANTOS, Boaventura Souza. Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Novos Estudos, n. 79