Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    ANTOINE NICOLAS GONOD D ARTEMARE (ECO-UFRJ)

Minicurrículo

    Antoine d´Artemare é cineasta-pesquisador com experiência na área de audiovisual e de cinema. Atua como diretor, diretor de fotografia e colorista. É formado em cinema pela École BTS Audiovisuel de Boulogne (Boulogne, 2006) e pela École Nationale Supérieure des Métiers de L´image et du Son (ENSMIS-La Fémis, Paris, 2010/ revalidado Comunicação UFRJ). É mestrando em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na linha Tecnologia da Comunicação e Estética.

Ficha do Trabalho

Título

    AS DIMENSÕES POLÍTICAS DA LUZ NO ILUMINAI OS TERREIROS (2006)

Resumo

    Nessa apresentação, buscaremos apreender a questão da luz no mundo considerando sua dimensão política. Com esse intuito, nos perguntaremos: a luz não poderia ser encarada como sintoma ou produção discursiva de uma época? Quais relações de forças e poderes estariam, portanto, legíveis na iluminação? Para isso, analisaremos a obra Iluminai os Terreiros (2006). Nela, os artistas registraram expedições noturnas em periferias do Brasil em que lanternas gigantes foram postas performaticamente.

Resumo expandido

    Ao contrário do cinema, a luz no mundo teria caráter absurdo, não apresentando sentido. Tal assertiva é um argumento do teórico francês Fabrice Revault d´Allonnes em seu livro La lumière au cinema (1991). Se a ausência de sentido apontada pelo autor seria possível considerando a luz natural dos diferentes astros, não seria, porém, necessário questionar essa afirmação ao considerar aquela produzida pelos homens e suas implicações enquanto projeto significativo? A luz não poderia ser encarada do ponto de vista enunciativo, como sintoma ou produção discursiva de uma época? Se isso for possível, quais relações de forças e poderes estariam, portanto, legíveis na iluminação?

    Pretendemos, nessa apresentação, destacar o caráter eletivo da luz no mundo, ou seja, sua capacidade não apenas de dar visibilidade a alguns elementos, mas também de escamotear outros. Assim, nos perguntaremos: ao eleger determinados elementos em detrimento de outros, a luz não produz deliberadas hierarquias? De que forma a luz tem a capacidade de produzir não apenas visibilidades, mas também invisibilidades?

    Para explicitar essa dimensão política da luz, partiremos da análise do filme Iluminai os Terreiros (2006) de Nuno Ramos, Eduardo Climachauska e Gustavo Moura. Nele os artistas registraram expedições noturnas em lugares perdidos, desolados e esquecidos do Brasil em que puseram lanternas gigantes para iluminá-los performaticamente, durante uma noite. Ao “dar luz” a espaços marginais ou periféricos nunca antes iluminados, a obra nos faz enxergar a existência de territórios relegados à sombra. Ela revela, portanto, de maneira metafórica, uma disparidade de visibilidade existente no território.

    Isso é justamente uma das questões que interessa ao autor alemão Wolgang Schivelbusch em seu livro La nuit désenchantée (1993). Nele, o autor explica que a iluminação pública sempre foi submetida a uma “lógica de gradação” de intensidade que dependia, por exemplo, da circulação de transeuntes ou da densidade de comércios. Ruas com pouca circulação ou pouco comércio recebiam, portanto, menos luzes que as demais. Contrastando com essa lógica, Schivelbusch relata como apareceu, nos séculos XVIII e XIX, um novo tipo de iluminação que aspirava produzir uma luz mais igualitária. Ele descreve como foram erguidas, em diversas cidades americanas, torres monumentais de refletores que irradiavam sobre as cidades uma luz que pretendia iluminar tão bem o centro quanto as periferias.

    A busca por uma repartição mais igualitária da luz assinalada por Schivelbusch e, através dela, da visibilidade, é uma problemática central levantada por Iluminai os Terreiros. Tal problemática é abordada pelo filósofo francês Jacques Rancière em seu livro A partilha do sensível. Nele, o autor ressalta que a formação da comunidade política precisa do confronto entre percepções individuais divergentes, expressas no mundo sensível. Para o autor, a política é, portanto, fundamentalmente uma questão estética que cuida da organização dessas expressões. O filósofo francês, no entanto, entende que o sensível está partilhado de maneira desigual e essa divisão produz, portanto, partes excludentes que não têm visibilidade, voz ou participação.

    Sendo assim, de que maneira obras de artes poderiam interferir na partilha do sensível? A nosso ver, é justamente uma interferência na partilha das formas de visibilidade que produz os artistas em Iluminai os Terreiros. Através de seu dispositivo, a obra restitui luz a esses territórios e corpos relegados à escuridão e ao esquecimento. Portanto, a intervenção produzida pelos artistas não apenas torna visíveis esses rostos desconhecidos, mas também lhes oferece a possibilidade de expressão pela palavra ou pelo corpo. Dessa maneira, ao iluminar espaços que nunca foram iluminados, Iluminai os Terreiros reformula a partilha do sensível e produz um curto-circuito na distribuição hegemônica do visível no território brasileiro.

Bibliografia

    BENJAMIN; Walter. “T – Tipos de iluminação” In: Passagens. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2009.
    RANCIÈRE; Jacques. A partilha do sensível. São Paulo, Editora 34 Ltda, 2009.
    REVAULT D´ALLONNES; Fabrice. La Lumière au cinéma. Paris, Cahiers du cinéma, 2001.
    SCHIVELBUSCH; Wolfgang. La nuit désenchantée. Paris, Gallimard, 1993.