Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Ismail Xavier (ECA-USP)

Minicurrículo

    Professor Emérito da ECA-USP; publicou, entre outros, os livros: O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, 7ªed. 2017), Sertão Mar: Glauber Rocha e a estética da fome (S.P Brasiliense 1983; Cosac Naify, 2007); Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal (S.P. Brasiliense,2a.Cosac Naify 2012); O olha e a cena: melodrama, Hollywood, Nelson Rodrigues, Cinema Novo (S.P. Cosac Naify 2003). [problema itálico títulos]

Ficha do Trabalho

Título

    “Os estratos do tempo no filme SUDOESTE (2011), de Eduardo Nunes”

Resumo

    A comunicação proposta focaliza SUDOESTE a partir da análise da forma como se organiza o tempo da experiência insólita vivida pela protagonista: ela nasce, atinge a sua mocidade e morre num intervalo que, para a comunidade em que tudo se passa, corresponde a um único dia. Vale a análise dos estratos do tempo superpostos na narrativa e a atenção ao teor da interação protagonista-comunidade, um foco de empatias e tensões reveladoras de valores e de um passado que sua presença vem ecoar.

Resumo expandido

    A comunicação compreende a análise da singular estruturação do tempo no filme SUDOESTE (2011) dirigido por Eduardo Nunes. Há neste filme um escoamento simultâneo, e em descompasso, de dois “estratos do tempo” (Koselleck, 2014) que interagem pela progressão de um dia na vida de uma comunidade litorânea, dia no qual nasce, cresce e morre a protagonista. O transcorrer de sua vida, do nascimento à mocidade, corresponde a este único dia na vida das pessoas com quem vai interagindo de forma descontínua em suas várias idades. Esta comunicação resulta de pesquisa em andamento voltada para um conjunto de filmes brasileiros realizados entre 2003 e 2015 nos quais se faz presente o motivo temático (Tomachevski, 1970) “o passado no presente”, motivo que exige um efetivo retorno de uma personagem ou uma situação em um contexto a partir daí marcado tensões e desequilíbrios fundamentais na estrutura dramática. Este motivo, em alguns casos, se articula a uma evidente superposição de estratos do tempo que pode se apresentar de distintos modos: enquanto sobrevivência de um passado que permanece ativo na dinâmica do presente; como questão particular na vida das personagens; como passado histórico de uma sociedade que vive entraves estruturais na sua modernização; como forma singular de interação entre tempos e ritmos distintos que insere o filme no terreno do fantástico (caso de SUDOESTE). Este terreno é aqui assumido como distinto daquele que define gêneros como o terror ou a ficção científica. O fantástico, como observa Tzevan Todorov, é um campo de ambigüidades que não elucida os fatores responsáveis por uma teia de fatos insólitos, mesmo quando geradores de temor. Esta dimensão do temor não é a tônica do filme em pauta, pois nele o desenrolar do insólito recebe um tratamento que mostra sua afinidade com o momento do chamado “boom” da literatura hispano-americana nos 1960-70, quando se cunhou a expressão “realismo mágico”. Numa acepção bem geral, Sudoeste é um exemplo desta presença do insólito que também se apresenta em filmes como O HOMEM QUE NÃO DORMIA (Edgar Navarro, 2011) e HISTÓRIAS QUE SÓ EXISTEM QUANDO LEMBRADAS (Júlia Murat, 2012). Em minha comunicação, a análise da presença singular dos extratos de tempo vai se articular com observações sobre o efeito da presença da protagonista na família de sua mãe que morreu no parto. Este foi conduzido por uma senhora que é isolada na comunidade, alguns a acusando de bruxa, e vive numa palafita perto da praia. Ela levou o bebê consigo após o parto, fazendo a dona da estalagem que a chamou para conduzir o parto julgar que a menina havia morrido junto com a mãe. Um momento especial de tensões trabalhadas pelo filme se dá quando a menina que surge sem explicação na praia e passa a travar relações com a comunidade neste seu único dia-vida, ao saltar para a mocidade:, passa a ser interpretada pela mesma atriz – Simone Spoladore – que interpretou sua mãe na abertura do filme. Neste sentido, sua presença tem o efeito de um estranho retorno que terá conseqüências. Minha comunicação, de forma concisa, vai tratar da questão estrutural dos estratos do tempo e do efeito deste estranho retorno dentre outros conflitos em pauta envolvendo a comunidade, havendo observações sobre aspectos formais – imagem e som – de maior incidência na relação do espectador com a experiência narrada em Sudoeste. Não se trata de “análise de filme” no sentido de explicitar um amplo trajeto percorrido para dar conta da obra em variadas dimensões, mas de uma apresentação de pressupostos teóricos e pontos focais de maior relevo numa leitura preliminar apta a colocar em debate o sentido deste filme no contexto do cinema brasileiro contemporâneo.

Bibliografia

    Bordwell, David (1985). Narration in the Fiction Film (Madison, The University of Wisconsin Press.
    Butcher, Pedro (2014). “A subversão do quadro”. In: Sudoeste. Rio de Janeiro. Instituto Moreira Salles.
    Koselleck, Reinhart (2014). Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio de Janeiro, Editora Contraponto/Editora PUC-Rio.
    Koselleck, Reinhart (2006). Passado Futuro: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro, Editora Contraponto/Edit. PUC-Rio.
    NORA, Pierre (1974). “O retorno do fato”. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
    Scheler, Max (2017). L’homme du ressentiment. Paris, Gallimard, 1970.
    Todorov, Tzevan (1970). As estruturas narrativas. São Paulo, Editora Perspectiva.
    Tomachevski, B.(1970) “Temática”. In: Dionísio de Oliveira Toledo (org) Teoria da Literatura – Formalistas Russos. Porto Alegre, Editora Globo, pp.169-204.
    [obs: problema no computador nos itálicos de títulos de livros]