Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Álvaro Renan José de Brito Alves (UFPE)

Minicurrículo

    Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPE com projeto sobre cinema, ensaísmo e educação; Mestre em Comunicação (UFPE) com pesquisa sobre práticas ensaísticas na literatura e no cinema. Formado em Cinema e Audiovisual também pela UFPE.

Ficha do Trabalho

Título

    Uma pedagogia da montagem: a instância pedagógica no Ensaísmo

Seminário

    Cinema e Educação

Resumo

    A comunicação pretende esboçar a teoria de uma instância pedagógica da prática ensaística no cinema. Formular o lugar e o campo teórico do que se entende por pedagogia quando se trata de fazer e ver filmes, compreendendo o cinema como um desarticulador da ordem discursiva e do espaço hierárquico presentes na sala de aula e nos espaços socioeducativos. O ensaísmo vem como um dispositivo de ativação da vontade e da disponibilidade dos sujeitos aprendentes em buscar conhecer por meio da imagem.

Resumo expandido

    No debate atual sobre o uso pedagógico do cinema e seu lugar nas escolas, aposta-se no cinema como elemento desarticulador da pragmática usual constitutiva do didatismo e do ensino como processo teleológico de assunção do saber. O pedagógico no/do cinema viria como uma instância na qual se instaura não o conteúdo de um saber, mas a possibilidade de construção de novas formas de saber passíveis de surgir da articulação entre o visível, o dizível e o sensível na imagem. Considerado desta forma, o pedagógico implica não uma didática encurtadora de distâncias que haveria entre o “mestre” e o “discípulo”, mas um dispositivo de “ensino-aprendizagem” capaz de trocar, permutar ou redistribuir, incessantemente, os lugares entre “aprendentes” e “ensinantes”, tal como nomeia Andrea Fresquet os sujeitos deste processo relacional.

    Se precisássemos (re)definir o conceito de “pedagogia” e seu campo no momento em que o cinema chega às salas de aula, a certos espaços socioeducativos, mas também quando ele próprio faz-se o lugar de emergência de sujeitos sociais minoritários e seus saberes (quilombolas, indígenas, mulheres, negros entre outros), haveríamos primeiro de sopesar a tradição acadêmica, cultural, sistêmica em todo caso, que a palavra carrega, antes de a reinventarmos no sentido de uma abertura para novas formas de saber bem como para a construção de novas formas de vida ou de novas formas de perceber os modos de vida não-hegemônicos, seus saberes, suas potências afetivas contidas em seus diferentes mundos. O pedagógico não seria, portanto, considerado pela maneira como um filme ensina ou serve de ilustração ao que se pretende ensinar, isto é, um caminho já traçado; mas seria, ao contrário, descaminho, extravio, modalidade nova de excursão cuja fórmula-síntese ousaríamos propor da seguinte maneira: o desconhecido é que é pedagógico.

    Em sua Aula, Barthes propõe justamente a excursão como a maneira de proceder deste método. Um método excursivo sugere a digressão, a fragmentação que baldaria, desativaria, ou pelo menos tornaria menos opressivos o poder e a força dos discursos que atravessam a maneira como os saberes são impostos. Para tal elaboração conceitual de uma pedagogia no cinema, investiríamos sobre uma pedagogia da montagem que contivesse a inflexão ensaística barthesiana, este desvio excursivo na maneira como se constrói, se articula ou se justapõe uma imagem a outra, uma imagem a um som, não apenas para multiplicar sentidos, mas para expor os processos pelos quais os saberes se constituem e são remanejados, expor aquilo mesmo que está por trás desses processos e que é a marca do pensamento selvagem por excelência: aquilo que Lévi-Strauss teria designado como bricolagem, num sentido estrito de uma técnica, um modus operandi, mas também num amplo sentido de que é todo um pensamento, todo um saber que se constitui sob dimensões não apenas pragmáticas, cognitivas e intelectuais, mas sobretudo dimensões sensíveis, afetivas, ou seja, toda uma dimensão estética (isto é, relativo aos sentidos, como em sua origem etimológica, mas também à fruição e ao gozo estéticos como se diz serem próprios da arte).

    Esta proposta de comunicação pretende ampliar o referencial teórico e o potencial conceitual do ensaísmo, identificando na sua prática tanto quanto na visualização de filmes ensaísticos uma instância pedagógica a ser elaborada e problematizada em suas possibilidades. Finalmente, acreditamos ser possível fazer do cinema-ensaio um dispositivo de comunicação e transmissão, num sentido caro a Paulo Freire que informa que o educador não é aquele que transmite saberes, mas as condições, as maneiras, as técnicas, as formas e os procedimentos com que cada sujeito constrói seu saber.

Bibliografia

    BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2013.
    BERGALA, Alain. A hipótese-cinema. Rio de Janeiro: Booklink; CINEAD-LISE-FE/UFRJ, 2008.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tomam posição – O olho da história I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017.
    FRESQUET, Adriana. Cinema e educação: Reflexões e experiências com professores e estudantes de educação básica, dentro e “fora” da escola. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
    LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Papirus, 2012.
    RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante – cinco lições sobre emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
    MIGLIORIN, Cezar. Inevitavelmente cinema: educação, política e mafuá. Rio de Janeiro: Beco do Azogue, 2015.
    WEINRICHTER, Antonio. “Um conceito fugidio. Notas sobre o filme-ensaio”. In O ensaio no cinema: formação de um quarto domínio das imagens na cultura audiovisual contemporânea. Org. TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. São Paulo: Hucitec, 2015.