Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Liciane Timoteo de Mamede (Unicamp)

Minicurrículo

    Liciane Mamede é doutoranda do programa de Pós-graduação em Multimeios da Unicamp. Tem mestrados em Imagem e Som pela UFSCar e em Valorização do Patrimônio Cinematográfico pela Universidade Paris 8. É formada em Comunicação Social – Hab. Rádio e TV, pela Unesp-Bauru.

Ficha do Trabalho

Título

    Paris 1900 e Le Souvenir d’un avenir O presente e o futuro das imagens

Seminário

    Cinema comparado

Resumo

    O que este trabalho se propõe a fazer é explorar a suposta influência estilistica do filme de montagem “Paris 1900” (Nicole Vedrès, 1947) sobre Chris Marker, em particular na obra “Le Souvenir d’un avenir” (2001). Investigaremos, além disso, como ambos os filmes ancoram suas estratégias enunciativas no sentido de criar um efeito de sentido de dupla temporalidade das imagens, congregando assim presente e futuro num único bloco de significação.

Resumo expandido

    Em 1998, momento em que a Cinemateca francesa lhe consagrava um tributo sob a forma de uma retrospectiva de sua obra, Chris Marker proferiu a seguinte frase: “Eu devo tudo a Nicole Vedrès”. Pois, o que este trabalho visa fazer é justamente explorar essa suposta influência investigando de que maneira “Paris 1900” (1946), o longa mais celebre da cineasta francesa (o qual Marker provavelmente tinha em mente quando fez sua afirmação), impactou estilisticamente aquela que é considerada a obra em que mais abertamente Marker cita Vedrès: “Le Souvenir d’un avenir” (2001). Investigaremos igualmente como ambos os filmes ancoram suas estratégias enunciativas no sentido de criar um efeito de sentido de dupla temporalidade das imagens, congregando assim presente e futuro num único bloco de significação.
    Desde seu lançamento, “Paris 1900”, foi considerado um marco. Em primeiro lugar, pela utilização que faz das imagens de arquivo e, em seguida, pela forma como agencia essas imagens com uma voz off que subverte a imparcialidade e a objetividade da voz-de-Deus, até então um padrão para documentários. Mas o filme também foi considerado inovador pelas próprias imagens de que se vale, vastamente heterogêneas e raras, memórias crepusculares de um outro século. Nesta época, Marker era ainda um jovem ambicionando fazer cinema, tal como seu amigo Alain Resnais, assistente de direção em “Paris 1900”. Por todas as suas características, o filme de montagem realizado por Vedrès é, hoje, frequentemente apontado como um precursor importante dos documentários de caráter ensaístico; não por acaso, gênero do qual Marker é referência incontornável.
    Ao refletir sobre como “Paris 1900” agencia suas imagens de arquivo, Amad faz referência à estrutura temporal da obra, que ela chama de “memory-of-the-future structure”. Esta consiste, segundo a teórica, em uma estratégia que tenta dar conta de abordar um tempo cronológico alheio ao espectador (no caso, por meio de imagens de arquivo), procurando, ao mesmo tempo, provocar nele uma relação emotiva com o que vê. Para além do efeito de nostalgia que, naturalmente, o contato com imagens antigas propiciam, a estratégia que se relaciona com a estrutura à qual Amad se refere visa provocar o efeito de sentido de que as imagens possuem um duplo tempo. Ao olhar para aquelas imagens anacrônicas, o espectador tem a impressão de que elas compreendem mais do que seu próprio presente, que elas prenunciam um futuro. Assim, por exemplo, tanto no caso de “Paris 1900”, quanto no de “Le Souvenir d’un avenir”, supostos símbolos de progresso presentes em imagens imediatamente anteriores à guerra, como o avião, serão associados à emergência de conflitos bélicos (no caso, respectivamente as Primeira e Segunda guerras mundiais).
    Também nesse sentido vai a posição de Bazin, segundo o qual as imagens de “Paris 1900” dão ao espectador a impressão de experienciar uma memória exterior: de estarmos diante de uma memória que não nos pertence. Segundo o teórico, ao dar a ver essas imagens, “Paris 1900” provocaria no espectador uma fratura (déchirement), algo como um sentimento de não pertencimento àquelas imagens-memórias e que seria a própria origem do gozo estético provocado pelo filme. Para ele, o documentário de Vedrès marca a aparição de uma “tragédia especificamente cinematográfica, aquela do “Tempo duplamente perdido”, efeito de sentido que mais tarde Marker exploraria em seu “Le souvenir d’un avenir”.

Bibliografia

    Amad, P. “Film as the ‘Skin of History’: André Bazin and the Specter of the Archive and Death in Nicole Vedrès’ Paris 1900”, In: Representations, n. 130, Spring, 2015. pp. 84-118.

    Bazin, A. “À la recherche du temps perdu : Paris 1900”, In: Qu’est-ce que le cinéma? Vol. 1, Paris: Édition du cerf, 1962, pp. 41-43.

    Blümlinger, C. Cinéma de seconde main : Esthétique du remploi dans l’art du film et des nouveaux médias. Paris: Klincksieck, 2013.

    Didi-Huberman, G. Passés cités par JLG: L’oiel de l’histoire, 5, Paris: Éditions de minuit, 2015.

    Freud, S. “O Inquietante”, In: Freud Obras Completas Vol. 14 (1917-1920), São Paulo: Cia das Letras, 2010. pp. 328-376.

    Leyda, J. Films Beget Films. London: George Allen & Unwin, 1964. pp. 78-79.