Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Julia Fernandes Marques (UFS)

Minicurrículo

    Professora Substituta do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe, Mestra em Cinema e Narrativas Sociais do Programa Interdisciplinar da Universidade Federal de Sergipe (PPGCINE), pesquisa com ênfase em cinema, antropologia, feminismo e pós-colonialismo. Graduação em Cinema e Vídeo pela Escola Superior Sul-Americana de Cinema e Vídeo do Paraná (CINETV-PR), vinculada a Faculdade de Artes do Paraná (FAP), Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR).

Ficha do Trabalho

Título

    “Acontecimento-fronteiriço”: a linguagem no cinema de Trinh T. Minh-ha

Seminário

    Teoria dos Cineastas

Resumo

    A cineasta Trinh T. Minh-ha desenvolve um método muito peculiar de criação para seus filmes, e esse se dá com base em reflexões teóricas nos campos da arte e da política. Essa cineasta instaura a premissa do cinema como “acontecimento-fronteiriço”, espaço de trocas entre o Eu (observador) e o Outro (objeto) e procura ter em suas obras esse encontro revelado, esse espaço “entre”. Ela recusa-se a desenvolver teses em seus filmes, assim como recusa o uso dos códigos cinematográficos hegemônicos.

Resumo expandido

    A cineasta vietnamita, auto declarada feminista pós-colonial, Trinh T. Minh-ha desenvolve o seu cinema de modo a questionar as formas hegemônicas da linguagem cinematográfica. Ela defende que o cinema seria um significado elaborado a partir de uma perspectiva específica e utilizar-se da linguagem cinematográfica hegemônica serviria mais como um mecanismo para fortalecer a defesa de um ponto de vista como um regime de verdade. Para ela, uma perspectiva estética em que a linguagem seja elaborada de modo a invisilizar-se traz a ilusão de que aquilo que é apresentado é real. Trinh T. Minh-ha, por outro lado, crê que o cinema é necessariamente a troca entre o Eu (observador) e o Outro (objeto). Desse modo, ela se interessaria prioritariamente pela experiência de troca, o “trans-acontecimento”, ela diria: “o acontecimento-fronteiriço”.
    Em um de seus filmes, de título “Surname Viet given name Nam”, Trinh T. Minh-ha apresenta depoimentos encenados por vietnamitas exiladas nos EUA com base em depoimentos de vietnamitas no pós-Guerra do Vietnã, retirados do texto de um livro escrito por outra autora, Mai Thu Van. Trinh T. Minh-ha apresenta esses depoimentos em cenários montados, com iluminação dramática intencional, figurinos dirigidos e textos ensaiados. Em alguns momentos do filme temos também trechos de histórias/estórias, divagações que não sabemos ao certo se partem da cultura vietnamita ou se são criações da cineasta, assim como registros documentais que são descontruídos na montagem do som e das imagens, elaborada pela cineasta. Esses e outros elementos são organizados por Trinh T. Minh-ha de modo que a sua percepcão sobre os eventos que apresenta e a sua contaminação pelas experiências vividas por essas mulheres seja nítida, que a elaboração de sua linguagem cinematográfica seja tangível pelo espectador ao passo em que a película corre na tela.
    Em outro filme de Trinh T. Minh-ha, “Reassemblage”, a cineasta questiona o método hegemônico dos filmes etnográficos, do olhar estrangeiro sobre outras culturas. A cineasta acredita que não é possível traduzir uma cultura, ou impor um significado sobre a mesma. Desse modo, Trinh T. Minh-ha recusa-se em falar sobre e instaura o que ela vai chamar de “falar perto”. Ela acredita que seus filmes precisam transformá-la de alguma forma durante sua realização. A transformação surge a partir da contaminação com o outro, o que gera uma terceira coisa, que é o espaço entre, o Eu e o Você.
    Sendo assim, a cineasta parte de uma investigação rígida, embora sensível e intuitiva, para produzir os seus filmes, e elenca processos necessários para ela, dentro de sua busca, a exemplo do rompimento com os códigos e convenções cinematográficas que ela irá definir como “patriarcais”. Essa escolha irá libertá-la de um domínio prévio sobre a perspectiva do discurso em seus filmes, nos quais ela se recusa a criar a defesa de uma tese linear ou mesmo da organizar pontos de vista necessariamente opostos, por entender que esse seria um método por demais enraizado na linguagem documental hegemônica. Trinh T. Minh-ha irá se ocupar também em deslocar palavras, imagens e técnicas familiares de modo a mudar seus sentidos pré-concebidos e amplamente aceitos. Irá criar processos dentro de processos, o que não considera o mesmo que processos encadeados linearmente, alterando uma noção difundida de desenvolvimento fílmico.
    Para Trinh T. Minh-ha o que é cinemático floresce nas fronteiras do cinema. Isso porque, ela parte de uma perspectiva feminista muito mais interessada na diversidade e multiplicidade de pontos de vista do que de um ponto de vista único sobre determinada realidade. Vale ressaltar que, embora a cineasta se dedique em estruturar uma linguagem para seus filmes com certo preciosismo ela não o faz por fetiche estético, mas por uma preocupação em descontruir perspectivas amplamente estruturadas, e não somente da linguagem cinematográfica, mas na forma de se produzir cinema, de contruir as nossa relações.

Bibliografia

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    RANCIÈRE, J. Figuras do testemunho e democracia. Intervalo. 2006.