Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Mariana Souto (USP)

Minicurrículo

    Pós-doutoranda pela ECA-USP sob a supervisão de Ismail Xavier. Bolsista FAPESP. Doutora em Comunicação pela UFMG, onde desenvolveu pesquisa sobre relações de classe no cinema brasileiro com a tese “Infiltrados e invasores”. Foi curadora de festivais como o Janela Internacional de Cinema do Recife, Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte, Lumiar e Cineclube Comum.

Ficha do Trabalho

Título

    Programação como exercício de cinema comparado: A saída da fábrica

Seminário

    Cinema comparado

Resumo

    Esta comunicação propõe pensar a curadoria como exercício de cinema comparado na aposta de que o desenho de programação de determinados filmes num ciclo ou numa mesma sessão pode fazê-los dialogar, destacando elementos latentes de um ou outro, produzir itinerários afetivos e narrativas imprevistas. Após algumas considerações teóricas, trago como exposição a experiência com a mostra “A saída da fábrica”, do Cineclube Comum, composta de curtas e médias.

Resumo expandido

    Esta comunicação propõe pensar a curadoria como exercício de cinema comparado. Apostamos que o desenho de programação de determinados filmes num ciclo ou numa mesma sessão pode fazê-los dialogar, destacando elementos latentes de um ou outro, produzir itinerários afetivos e narrativas imprevistas. A programação, assim, pode ser vista como uma forma de comparação em ato, diferenciando-se da crítica e da análise mais puras. Uma de suas características fundantes é o modo consecutivo, que preserva a integridade das obras, assim como a fidelidade à linguagem do meio. Compara-se no tempo, em uma operação que demanda a memória de um espectador ativo (HORVATH, 2012). Como é uma dinâmica temporal, importa a ordenação dos elementos e o desenho que juntos constroem, com a adição de uma obra a cada vez, em um processo cumulativo.
    A programação oferece um caminho a se percorrer, que se inicia em determinado ponto e se encerra em outro, capaz de produzir e modular certas reflexões e emoções ao longo desse trajeto. Trata-se de um jogo interpretativo, de uma montagem que toma como blocos não mais planos, mas filmes, o que significa um incremento de complexidade e escala.
    Ainda que muitas vezes esta não seja a intenção original, um filme pode responder a outro, endereçar-lhe questões, criticá-lo ou complementá-lo. A partir desse contato propiciado, semelhanças e diferenças emergem e se tornam mais visíveis – “talvez seja esse um dos segredos da programação, versos e rimas ocultos no que parece ser um texto em prosa” (CANGA, 2012, p. 91). Nesse sentido, Jacques Aumont destaca os casos em que “a atividade crítica é que opera a relação entre as obras” (AUMONT, 1996, p. 9). O autor joga luz para o ofício do programador, citando um dos maiores inventores de programas de projeção, Henri Langlois (co-criador da Cinemateca Francesa). Nicole Brenez, por sua vez, diz que a melhor crítica de um filme é outro filme. Gonzalo de Lucas (2012), editor da revista Comparative Cinema, frisa que nossa primeira interpretação de um filme vem marcada pelo espaço e pelo contexto da programação, sublinhando ainda o potencial crítico ou ensaístico envolvido na concepção das sessões.
    Após algumas considerações teóricas, abordaremos a experiência com a mostra A saída da fábrica, do Cineclube Comum, projeto do qual faço parte (junto a Victor Guimarães, Carla Italiano e Luís Fernando Moura). Dentro de uma tema por demais abrangente como “cinema e trabalho”, elegemos “a saída da fábrica” como um recorte, apostando na potência de seus significados: um ponto limítrofe, a transição entre o trabalho e a vida fora dele. Nesse átrio está contida a tensão entre prisão e liberdade, labor e rua. É também o lugar onde se agrupam trabalhadores, onde se fazem greves e manifestações, onde se reúnem por amizade ou afeto.
    O filme dos Lumière (A saída dos operários da fábrica Lumière, 1895) funciona como uma referência quase arquetípica, presente nos fundos do nosso imaginário, como essa imagem primordial que vimos muitas vezes. Muitos filmes, de diferentes estilos e nacionalidades, voltaram a ele. A partir desse mote, as obras convocam temas os mais diversos, das denúncias de injustiças sociais e a reivindicação por melhores condições trabalhistas até as relações de gênero. Ao conjugar filmes de tempos distintos, a mostra busca acrescentar uma dimensão de historicidade ao tema do trabalho, propiciando uma comparação que atravessa séculos, do final do XIX aos anos 2000. Se, por um lado, o trabalho é universal, um dos temas mais relevantes para a humanidade, por outro, é absolutamente cultural, marcado por nuances e especificidades históricas, conjunturais. Analisaremos a relação entre alguns filmes da mostra, do filme dos Lumière a A fundição (Aki Kaurismaki, 2007), A saída dos operários da fábrica (Harun Farocki, 1995), A dupla jornada (Helena Solberg, 1975) e Esse velho sonho que se move (Alain Guiraudie, 2001) e Jai (Anocha Suwichakornpong, 2007).

Bibliografia

    CARAMELLA, E., ARANTES, P., REGIS, S. (org). Arte: história, crítica e curadoria. São Paulo, EDUC, 2014, p. 57-70.

    ARROBA, A. “Entrevista con Alexander Horwath. Sobre la programación y el cine comparado [con la colaboración de Olaf Möller]” in Cinema Comparat/ive Cinema, n.1, 2012, pp. 12-31.

    AUMONT, J. Pour un cinéma comparé: influences et répétitions. Paris, Cinémathèque française, Musée du cinéma, 1996.

    CANGA, P. G., 14/09/1968, una programación de Henri Langlois In Cinema Comparat/ive Cinema, n.1, 2012, pp. 88-95

    DE LUCAS, G. Editorial. In Cinema Comparat/ive Cinema, n.1, 2012, pp. 7-8.

    Menotti, G. (org). Curadoria, cinema e outros modos de dar a ver. Vitória, EDUFES, 2018.

    OBRIST, Hans Ulrich. Uma breve história da curadoria. São Paulo, BEI, 2010.

    VERGÉ, E. “Jeune, Dure et Pure! Une Histoire du Cinéma d’Avant-garde et Expérimental en France’. La programación como montaje de películas y pensamiento del cine: una gaya ciencia” In Cinema Comparat/ive Cinema, n.1, 2012, pp. 9