Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Carla Ludmila Maia Martins (UNA)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação Social pela FAFICH/UFMG, com período sanduíche em Tulane University, New Orleans/EUA. Professora do curso de cinema do Centro Universitário UNA de Belo Horizonte, leciona atualmente a disciplina de Cinema Brasileiro. Sua pesquisa concentra-se em cinema, documentário e estudos de gênero. Integra a equipe da Vice-Presidência Acadêmica do Grupo Ânima Educação, tendo como função a gerência de projetos acadêmicos. É associada da Filmes de Quintal, que realiza o forumdoc.bh.

Ficha do Trabalho

Título

    Por um cinema opositivo

Seminário

    Cinema brasileiro contemporâneo: política, estética, invenção

Resumo

    A partir da análise comparada dos filmes Noir Blue: deslocamentos de uma dança (Ana Pi, 2018), Maré (Amaranta Cesar, 2018) e A rainha Nzinga chegou (Isabel Casimiro, Junia Torres, 2018), propomos pensar modos de representação e estratégias de criação da mulher negra no cinema brasileiro, numa perspectiva amparada no feminismo interseccional. Inspiradas por hooks, elaboramos um pensamento sobre um “cinema opositivo”, em que o olhar da mulher negra pode agenciar formas de resistência.

Resumo expandido

    O olhar pode ser perigoso e é sempre político – é o que nos ensina bell hooks em seu precioso texto “O olhar opositivo”. A autora relata sua experiência de infância, quando percebeu que seu olhar era visto pelos adultos como gesto de confronto e resistência, desafio à autoridade e ao poder constituído. Nas aulas de história, ela aprendeu que os negros escravizados, seus antepassados, eram punidos pelos senhores brancos por olhar diretamente para eles. Desse aprendizado, ela começa a se perguntar como tal punição influenciara o espectador negro: “a política da escravidão, das relações de poder racializadas, eram tais que aos escravos era negado o direito de olhar. ” É a partir dessa constatação que a autora passa a se interessar pelas formas de resistência a essa violência tão elementar, que faz do olhar algo proibitivo. Para hooks, “as tentativas de reprimir o poder nosso/das pessoas negras de olhar havia produzido em nós uma ânsia avassaladora de olhar, um desejo rebelde, um olhar opositivo. ” O olhar opositivo, continua a autora, é crítico e “olha para documentar”. Na luta pela resistência, o olhar é o poder do oprimido para garantir seu agenciamento. Trata-se de reivindicar e cultivar a consciência, politizando as relações do olhar, em outras palavras, trata-se de aprender a olhar de um certo modo para resistir.
    Começamos por hooks, referência incontornável para um pensamento feminista que se quer interseccional, porque os filmes que propomos analisar tem assinatura feminina e são protagonizados por mulheres negras: dois curta-metragens, Noir Blue: deslocamentos de uma dança (Ana Pi, 2018) e Maré (Amaranta Cesar, 2018) e um longa-metragem, o documentário A rainha Nzinga chegou (Isabel Casimiro, Junia Torres, 2018). Em Noir Blue e A rainha Nzinga, elas são não apenas filmadas mas filmam, assumem o lugar da direção, contribuindo para suprir uma lacuna histórica do cinema brasileiro. No mais recente levantamento da Ancine, realizado em 2016, não houve sequer um filme realizado por uma mulher negra no Brasil. O mesmo estudo indica que, apesar de o Brasil ser formado por 50,7% de negros, o percentual de negros e pardos no elenco dos 97 filmes brasileiros de ficção lançados em 2016 foi de apenas 13,4%.
    O que buscamos na análise comparada dessas três obras é observar e comparar distintos modos que o cinema brasileiro tem encontrado para oferecer resistência a essa violência traduzida em ausência. No conjunto de obras que propomos estudar, temos desde o recurso do hibridismo do documentário com a ficção (Maré) até a performance e o diálogo com as outras artes, como a música e a dança (Noir Blue), passando pelo clássico registro direto, tão caro ao documentário (Rainha Nzinga).
    Diante desse conjunto tão diverso, propomos pensar, junto com hooks, em um cinema opositivo, que se quer não apenas reação a representações estanques da negritude, mas ação de resistência para construção de uma outra história. O cinema opositivo se quer revolução, passo de dança, verso em cor, giro no espaço (Noir blue). Ele se quer ritual, conexão com os antepassados, ele retorna ao território de origem para criar com o passado um elo inquebrantável, que resiste ao esquecimento e reinventa o presente (Rainha Nzinga).
    Em conjunto, os três filmes protagonizados por mulheres permitem pensar numa abordagem feminista do cinema que considera a raça como questão central. O cinema opositivo também quer resistir à crítica feminista convencional, enraizada em modelos a-históricos que privilegiam a diferença sexual, ativamente suprimindo o reconhecimento da raça. A questão não é novidade no campo teórico, mas ainda permanece incipiente nos estudos de representação ou de autoria da mulher no cinema brasileiro. Em parte, isso ocorreu porque nos faltavam os filmes dirigidos por aquelas que, de fato, criam esse cinema opositivo, elas, as mulheres negras. A boa novidade é que se elas sempre existiram, agora, suas obras também existem. Estejamos atentas.

Bibliografia

    HOOKS, bell. O olhar opositivo – a espectadora negra. Disponível em: https://foradequadro.com/2017/05/26/o-olhar-opositivo-a-espectadora-negra-por-bell-hooks/. Última visita em 18 de abril de 2019.