Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Lyana Guimarães Martins (UFRJ)

Minicurrículo

    Doutoranda em Comunicação e Cultura (PPGCOM – UFRJ) sob orientação de Antonio Fatorelli. Mestre em Estudos Contemporâneos das Artes (PPGCA – UFF). Graduada em Comunicação Social, habilitação em Rádio e TV, pela ECO – UFRJ. Atua como montadora e diretora em projetos para televisão, publicidade e documentários. Como artista, realiza trabalhos em videoarte e videodança, além de fotografia, instalação e videoprojeção.

Ficha do Trabalho

Título

    Imagem, percepção e sensação: o cinema experiencial de Peter Mettler

Resumo

    A partir do documentário Picture of Light (1994), do cineasta e artista canadense-suíço Peter Mettler, pretende-se discutir e refletir sobre a imagem neste cinema que o próprio Mettler chama de “experiencial”. Para tanto, parte-se do pensamento de Gilles Deleuze e Henri Bergson acerca da percepção, procurando relacioná-lo com provocações de autores contemporâneos. Afinal, como se poderia definir esse cinema “experiencial”? E que imagem é essa que Mettler nos apresenta?

Resumo expandido

    No documentário Picture of Light (1994), do cineasta e artista canadense-suíço Peter Mettler, fica evidente um rigor formal no seu trabalho. Sua fotografia é precisa, tanto em composição de quadro quanto fotometria, mesmo quando a câmera é na mão; sua montagem é complexa, com muitos cortes, sobreposições, fluxos, encadeamentos não convencionais; o som é rico em elementos, de ambientes e ruídos a efeitos. Nos seus filmes há o predomínio de entrevistas não formais, realizadas durante caminhadas, dentro de carros, isto é, em situações espontâneas, que são misturadas com momentos de “voiceover”. Mas não se trata de uma narração, de uma descrição ou uma explicação do que vemos: a voz, que geralmente é do próprio Mettler, às vezes não diz nada muito concreto, pelo contrário, quase sempre não tem relação direta com a imagem que é vista simultaneamente. São pensamentos, devaneios, divagações, perguntas. Nesse sentido, se pensarmos a partir de uma lógica da eficiência narrativa, o conteúdo das palavras quase não importa, afinal não elucida nada, uma espécie de “palavra vazia”. Mas se pensarmos por uma lógica da sensação, a voz é fundamental: o que é dito e o ritmo do que é dito nos instiga a sentir, proporciona outras camadas para as imagens e sons.

    Mettler diz que se inspira na música para pensar o seu trabalho, pois para ele ela nos toca sem precisarmos intelectualizar nada, isto é, não é necessário entender um sentido para sermos afetados – o que não significa que não possamos imaginar e criar sentidos a partir de uma música, ou de um filme seu. Afinal, o sentido, a razão, não é um problema para ele, mas sim a imposição de algo prévio a partir de uma lógica de eficiência, como a necessidade de contar algo e ser entendido, tão comum no cinema tradicional. Em vez disso, ele busca as lacunas, os devaneios. Portanto, sua busca pela sensação não se dá por conta de uma recusa do sentido, mas por um desejo de problematizar a hegemonia da razão e a normatividade da percepção em prol de uma abertura a outras possibilidades de experiência com sua obra. É nesse sentido que o cineasta diz que prefere entender o seu trabalho não como um cinema experimental, apenas de quebra e subversão dos códigos e padrões do cinema convencional, mas sim um cinema “experiencial”.

    Mas como se poderia definir esse cinema “experiencial”? Ele dá algumas pistas: seria um cinema que busca sentimentos, em vez de conceitos e regras pré-determinados, de forma a instigar no público uma viagem pessoal, sem um sentido prévio a ser compreendido. Em vez de impor uma narrativa tradicional, com encadeamentos lógicos em prol de um final fechado, ele prefere deixar tudo em aberto. Talvez seja possível aproximar o seu cinema do conceito de imagem-tempo discutido por Deleuze, uma vez que podemos identificar nos seus filmes uma predileção por situações ótico-sonoras puras, nas quais vemos os personagens (às vezes, o próprio diretor) absortos em uma observação, em uma reflexão, em vez de comprometidos com uma ação. Mas se Deleuze diz que no cinema moderno o personagem vira uma espécie de espectador (DELEUZE, 2007, p. 11), no cinema de Mettler é o espectador que parece virar personagem, pois há sequências nas quais quem parece ficar imerso em uma deambulação não é o personagem, mas nós que estamos assistindo o filme. São momentos que parecem existir apenas para o espectador: uma situação ótica-sonora pura, não para quem está dentro da tela, mas para quem está fora dela. Mas não se trata de uma interatividade, de uma quebra da quarta parede, do espectador fazer parte da história: mergulhamos nessa imagem-tempo – será que ainda podemos chamá-la assim? –, participamos dela, coexistindo com o filme. Então, que imagem é essa que Mettler nos apresenta? Talvez as discussões em torno de instalações imersivas possam contribuir nesta reflexão. Afinal, é possível perceber em Mettler muitos cruzamentos, principalmente quanto à experiência do espectador com a obra.

Bibliografia

    BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
    DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2007.
    GIL, Inês. A atmosfera no cinema. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
    GONÇALVES, Osmar (Org.). Narrativas sensoriais: ensaios sobre cinema e arte contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2014.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera, ambiência, Stimmung. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2014.
    JAFFE, Ira. Slow Movie – Countering the cinema of action. Nova York: Wallflower Press, 2014.
    MANOVICH, Lev. The language of new media. Cambridge: The MIT Press, 2001.
    MARKS, Laura. Touch: sensous theory and Multisensory Media. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2002.
    TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. Cinemas “não-narrativos”: experimental e documentário – passagens. São Paulo: Alameda, 2012.
    XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal; Embrafilme, 2008.