Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Érico Oliveira de Araújo Lima (UFC)

Minicurrículo

    Doutor em Comunicação pela UFF (Universidade Federal Fluminense), na Linha de Estudos do Cinema e do Audiovisual. Mestre em Comunicação pela UFC (Universidade Federal do Ceará), na linha de Fotografia e Audiovisual, e graduado em Comunicação Social também pela UFC. Atualmente é professor substituto no Instituto de Cultura e Arte da UFC.

Ficha do Trabalho

Título

    Diante das cisões: o cinema e a luta por moradia

Mesa

    Experiências cinematográficas do morar

Resumo

    A partir do cotejo entre A cidade é uma só? (2011), de Adirley Queirós, e Na missão, com Kadu (2016), de Pedro Maia de Brito, Aiano Bemfica e Kadu Freitas, esta comunicação busca abordar a ação cinematográfica em parceria com lutas urgentes que a transbordam, particularmente no campo da moradia. Tentamos também contribuir para um debate em torno dos modos de constituir alianças para intervir, com o cinema, diante das fraturas da nossa experiência social e histórica.

Resumo expandido

    Esta comunicação propõe um cotejo entre dois filmes brasileiros recentes: A cidade é uma só? (2011), de Adirley Queirós, e Na missão, com Kadu (2016), de Pedro Maia de Brito, Aiano Bemfica e Kadu Freitas. Sabendo das várias distinções entre os filmes, tentaremos tomar os procedimentos formais e os aspectos colaborativos de cada um. Nosso intuito é o de sublinhar dois gestos de articulação entre o cinema e a ação política diante das violências perpetradas pelo Estado às condições materiais de moradia de populações. Nos dois filmes, destacaremos a elaboração de parcerias entre quem filma e quem é filmado, ora com uma confluência mais íntima de horizontes e experiências, ora com a elaboração de uma aliança entre visitantes e moradores. Tentaremos aqui perceber como a perspectiva do morar, a partir dessas obras, toma a envergadura da urgência de lutas, entre passado e presente, diante dos processos de remoção e de uma distribuição desigual da condição precária, tomando aqui uma formulação de Judith Butler (2015).

    Na missão, com Kadu abriga em sua montagem o episódio de violência policial, ocorrido em junho de 2015, contra uma caminhada de moradores das ocupações da região de Izidora, em Minas Gerais. Kadu Freitas, militante e morador da ocupação Vitória – uma dessas ocupações em caminhada – filma o episódio com uma câmera de celular e capta desde instantes de expressão da alegria de uma luta, com companheiros que jogam futebol, ao súbito desencadear do processo de violência da Polícia Militar contra a manifestação. Junto às imagens no calor do acontecimento, a montagem traz ainda momentos de conversa e de preparação do ver junto, quando o próprio filme feito por Kadu é projetado na ocupação.

    A cidade é uma só? trabalha uma mútua contaminação entre procedimentos documentais e ficcionais e permite uma visada histórica para a própria formação de Ceilândia, que tem suas origens nos processos de remoção dos moradores da Vila IAPI, no entorno do Plano Piloto de Brasília. Esse processo foi finalizado no início de 1971, a partir daquilo que o governo do Distrito Federal chamou de Campanha de Erradicação de Invasões (CEI) – de onde surge, inclusive, o nome da cidade-satélite. Cruzando gerações de personagens (Nancy, Dildu e Zé Bigode), além de diferentes matizes de ficcionalização, o filme nos coloca diante de uma perspectivação histórica que expõe as bases de uma segregação territorial. Nosso interesse será, especialmente, o de retomar as formas de implicação na cena por parte da equipe, no que dialogamos estreitamente com as contribuições de André Brasil (2013), a respeito do avizinhamento do antecampo, e de Cláudia Mesquita (2012), sobre os modos de produzir “uma coincidência de horizontes – equipe, sujeitos filmados – que parece traduzir uma outra perspectiva de relação e realização” (MESQUITA, 2012, p.68).

    Em nosso movimento comparativo, apostaríamos na complementariedade das ações dos dois filmes na nossa paisagem cinematográfica brasileira recente. Ambos narram experiências sociais e históricas, nos alçando à posição daqueles que são implicados pelos acontecimentos. Cada um a sua maneira, elaboram táticas de compartilhamento com quem luta cotidianamente e incorporam, na cena, os indícios dessa implicação. Na missão, com Kadu nos devolve a colaboração entre aqueles que visitam e aqueles que ocupam. A cidade é uma só?, além de nos lançar em uma escala histórica mais ampla, inventa maneiras de engajamento entre equipe e filmados que possam elaborar o próprio exame do tempo histórico numa dimensão compartilhada.

    Nosso movimento será, então, o de indagar, de modo particular, as formas desses filmes, para também sondar questões que são transversais a suas empreitadas. Dessa maneira, as formas encontradas por cada um são maneiras de intervir em um debate mais amplo, do qual destacamos duas frentes complementares: a participação do cinema nas lutas urgentes que o transbordam e os modos de compor alianças nesse processo mesmo de agir.

Bibliografia

    BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
    BRASIL, André. Quando o antecampo se avizinha: duas notas sobre o engajamento em A cidade é uma só?. Negativo, Brasília, v.1, n.1, 2013.
    BRASIL, André. Rumo a terra do povo do raio: retomada das imagens, retomada pelas imagens em Martírio e Ava Yvy Vera. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos de Cinema, Fotografia e Audiovisual do XXVII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 05 a 08 de junho de 2018.
    CÉSAR, Amaranta. Que lugar para a militância no cinema brasileiro contemporâneo? Interpelação, visibilidade e reconhecimento. Revista Eco-Pós: Dossiê Imagens do Presente, v.20, n.2, 2017.
    MESQUITA, Cláudia. Um drama documentário? Atualidade e história em “A cidade é uma só?”. Devires – Cinema e Humanidades, v. 8, p. 50-71, 2012.