Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Rogério de Almeida (USP)

Minicurrículo

    Professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Coordena o Lab_Arte e o GEIFEC. É Editor da Revista Educação e Pesquisa (FEUSP) e Editor Colaborador Revista Machado de Assis em Linha. Bacharel em Letras (1997), Doutor em Educação (2005) e Livre-Docente em Cultura e Educação, todos os títulos pela USP. Pós-doutoramento na Universidade do Minho (2016). Trabalha com temas ligados a Cinema, Literatura, Filosofia Trágica e Imaginário.

Ficha do Trabalho

Título

    Afirmação trágica em “A árvore dos frutos selvagens”, de Ceylan

Resumo

    Esta comunicação tem por objetivo a questão da afirmação trágica presente no cinema de Nuri B. Ceylan, mais especificamente em “A árvore dos frutos selvagens” (2018), que acompanha o itinerário de (auto)formação de Sinan, cuja trajetória para se tornar escritor se inicia repleta de ideais, passa pela crise dos valores (niilismo) e culmina na afirmação trágica, expressão do “amor fati” nietzscheano. Tal trajetória relaciona-se com a pedagogia da escolha, que põe em questão a afirmação da vida.

Resumo expandido

    O presente trabalho apresenta os resultados parciais de pesquisa financiada pela FAPESP sobre o imaginário trágico no cinema contemporâneo, com recorte restrito ao modo como a afirmação trágica (Nietzsche, 1983, 1995; Rosset, 1989; Almeida, 2018) é construída no filme A árvore dos frutos selvagens (2018) do cineasta turco Nuri Bilge Ceylan. A obra narra o retorno de Sinan a casa dos pais, após a conclusão de seus estudos, e as dificuldades que enfrenta para se afirmar como escritor. A premissa inicial do filme, no entanto, é um pretexto para o desenvolvimento de discussões filosóficas sobre a sociedade contemporânea, a cultura, a literatura, o processo criativo, culminando no valor da vida, questão que irrompe no final do filme e marca o processo de transformação do protagonista, que começa imbuído de ideais, passa pela crise dos valores (niilismo) e alcança a afirmação trágica, quando reconhece a ausência de justificativa para o sofrimento, a insignificância do real, o caráter egoísta da vontade, a efemeridade da condição humana, aspectos trágicos da existência, mas que não são negados, como na reação niilista, mas afirmados, como condição da vida. Estamos diante, portanto, de um filme que requer tempo para mostrar como se opera a transformação da personagem, seu itinerário de (auto)formação, que envolve um momento de suspensão da crença para que a escolha trágica se efetive. Essa escolha pode ser compreendida como o “chegar a ser o que se é” (Nietzsche, 1995), expressão do amor fati nietzscheano: “não querer nada de outro modo, nem para diante, nem para trás, nem em toda a eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo (…), mas amá-lo” (Nietzsche, 1983, p. 374).
    A perspectiva adotada para a análise do filme considera que o niilismo decorre da “crença nas categorias da razão”, mais propriamente da impossibilidade de responder racionalmente à pergunta “por quê?”, o que acarreta, na interpretação de Giacoia Jr. (2014, p. 223), numa ausência de sentido, valor, finalidade e causalidade para a existência. Gianni Vattimo (1996, p. 6) considera o niilismo a morte de Deus, e a consequente relativização de todos os valores. Franco Volpi (2005, p. 169) o interpreta como um profundo mal-estar que se sobrepõe, no plano histórico-sócio-cultural, aos processos de secularização e racionalização e, com eles, de desencanto e fragmentação da imagem de mundo.
    Diante do niilismo, no entanto, não há apenas a via de sua constatação e eventual resignação, mas a possibilidade de sua superação. Em Antiniilismo: ou a superação do niilismo pela filosofia trágica (Almeida, 2015), delineiam-se dois modos de saída do niilismo, quando se quer dele sair: a vertente que busca o restabelecimento dos valores e a que quer sua ultrapassagem pela afirmação incondicional da vida. O primeiro modo é ilusório, pois pressupõe uma natureza (princípio, finalidade causalidade etc.) que dê sentido à vida. O segundo modo é o trágico, que ignora qualquer sentido extrínseco à vida, liberando-a das amarras metafísicas, de tal forma que não há o que solucionar, já que os contrários se mostram intimamente articulados na condição da existência. Nas palavras de Clément Rosset (1989, p. 8), trata-se da “ligação entre a alegria de existir e o caráter trágico da existência”.
    O niilismo não é necessariamente a expressão do fim, já que pode ser um ponto de virada, uma passagem para a afirmação trágica. Isso porque a afirmação trágica – compreendida como “fórmula de afirmação máxima, da plenitude, da abundância, um dizer sim sem reservas, até mesmo ao sofrimento, à própria culpa, a tudo o que é problemático e estranho na existência” (Nietzsche, 1995, p. 118) – não nega ou justifica o sofrimento e a morte, mas os confronta e os absorve no gesto de aprovação da existência. É essa a lição aprendida por Sinan, que após ver ruir suas pretensões de sentido, extrai de seu próprio sofrimento a força para aprovação da vida.

Bibliografia

    ALMEIDA, Rogério de. Cinema e Educação: fundamentos e perspectivas. Educação em Revista, vol. 33, 2017.
    ALMEIDA, Rogério de. Cinema, Educação e Imaginários Contemporâneos. Educação e Pesquisa, vol. 44, 2018.
    BORDWELL, David. “O cinema clássico hollywoodiano: normas e princípios narrativos”. In: RAMOS, Fernão Pessoa. Teoria Contemporânea do Cinema. Vol. II. São Paulo, Senac, 2005.
    FABRIS, Elí Henn. Cinema e Educação. Educação e Realidade, n. 33 (1), jan/jun 2008, p. 117-134.
    FRESQUET, Adriana. Cinema e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
    GIACOIA JUNIOR., Oswaldo. Nietzsche: o humano como memória e como promessa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
    NIETZSCHE, Friedrich. Obras Incompletas. SP: Abril Cultural, 1983.
    ROSSET, Clément. A lógica do Pior: elementos para uma filosofia trágica. RJ: Espaço e Tempo, 1989.
    VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade. Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. SP: Martins Fontes, 1996.
    VOLPI. Franco. El Nihilismo. Buenos Aires: Biblos, 2005.