Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Vinícius da Cunha Bisterço (USP)

Minicurrículo

    Formado em História pela Universidade de São Paulo e mestrando em Literatura Brasileira pela mesma instituição. Participa do Grupo de Pesquisa Literatura e Cinema no Brasil Contemporâneo, organizado pelo Prof. Dr. Jaime Ginzburg. Investiga cinema em perspectiva comparada com a literatura.

Ficha do Trabalho

Título

    Conflitos à margem: uma análise de João Antônio e Ozualdo Candeias

Resumo

    Esta comunicação pretende apresentar resultados parciais da investigação comparada entre o conto “Malagueta, Perus e Bacanaço” de João Antônio e o filme A Margem de Ozualdo Candeias. Será selecionada uma passagem do conto e uma sequência do filme na qual aparecem situações de conflito entre personagens marginalizados socialmente. A análise comparada pretenderá apreender as semelhanças e diferenças no tratamento da situação, pensando analogias temáticas e particularidades formais dos dois casos.

Resumo expandido

    Malandros, prostitutas, moradores de rua, pedintes; tal o universo de personagens presentes nas produções de João Antônio e Ozualdo Candeias. A partir do reconhecimento de uma afinidade temática entre os autores, será desenvolvida, em seguida, uma investigação sobre a constituição dos personagens e sua condição de marginalidade econômica.
    No caso do conto de João Antônio, os protagonistas são três malandros que se juntam para jogar sinuca pelos bares de São Paulo. Os personagens percorrem a cidade à noite em busca de “trouxas”, trabalhadores que estão na noite em busca de lazer e que possuem algum dinheiro para apostar.A prática dos personagens, associada à malandragem, é exposta pelo narrador e pelos próprios personagens em descrições detalhadas sobre a maneira com que os jogos precisam ser direcionados. Nesse sentido, o elemento da dissimulação é fundamental: os personagens precisam aparentar serem jogadores ruins, para então virar o jogo no momento em que as apostas sobem. Sua vitória, no entanto, deve parecer advinda da sorte, e não da técnica. O conto possui um narrador em terceira pessoa, que adentra nos pensamentos dos personagens através do discurso indireto livre e assume a condição de intermediador entre o universo da malandragem e o leitor.
    Já o filme narra a trajetória de quatro personagens que vivem na beira de um rio, distantes do centro da cidade. Como diz Rubens Machado, os personagens são párias da sociedade, e o título do filme remete tanto a uma localização geográfica quanto a uma designação social (MACHADO JR., 2007, p. 116). Os personagens não possuem nome, o que dificulta a sua identificação e intensifica a sua condição de párias. Poucos diálogos são travados, sendo que na maior parte do filme os personagens ficam em silêncio. Os gestos e os olhares assumem, assim, função primordial para a expressão desses indivíduos no mundo e diante da câmera. E, nesse sentido, o filme se destaca pelo uso que faz da câmera subjetiva, recurso recorrente no filme como forma de dar voz aos silenciados através do olhar. Esse recurso também fragmenta a narrativa, que se coloca em constante deslocamento de perspectiva entre os quatro personagens principais.
    A passagem do conto e a sequência do filme selecionadas pretendem circunscrever situações de conflito entre personagens marginalizados. No conto será explorada a relação tensa dos protagonistas entre si e com outros personagens malandros. No filme, será destaca a personagem de Lucy Rangel, que interpreta uma copeira que se torna prostituta. No espaço de prostituição, a personagem vive conflitos com outra personagem prostituta. A partir da analogia temática e situacional, serão pensadas as especificidades formais do conto e do filme e a maneira com que a narrativa elabora uma perspectiva sobre os conflitos enfrentados pelos personagens.
    As sequências selecionadas para análise mais detida dizem respeito a momento de tensão das obras, na qual os personagens em condição de marginalização social se encontram em situação limite. Nesses momentos, se institui um clima de competição e de disputa, de rixa entre os personagens como busca pela sobrevivência. Instala-se, em sentido destrutivo, o que Edu Teruki chamou para o contexto das Memórias de um Sargento de Milícias, um “espírito rixoso”: a competitividade entre personagens pobres, em geral baseada em sistemas de desavenças, rivalidades e agressões (OTSUKA, 2017, p. 69).
    Pretende-se, ao final, demonstrar os parâmetros dessa disputa, a perspectiva narrativa sobre ela e o horizonte que se anuncia no conto e no filme para os protagonistas das obras a partir dessa situação limite.

Bibliografia

    CANDIDO, Antonio. “Dialética da malandragem”. IN _________. O discurso e a cidade. Rio de Janeiro/RJ : Ouro sobre Azul, 2015, p. 17-48.

    CANDIDO, Antonio… [et al]. A personagem de ficção. São Paulo/SP: Perspectiva, 2014.

    MACHADO JR., Rubens. “Uma São Paulo de revestrés: sobre a cosmologia varziana de Candeias”. Revista Significação, nº 28, p. 111-131.

    OTSUKA, Edu Teruki. Era no tempo do Rei. Atualidade das Memórias de um Sargento de Milícias. Cotia/SP: Ateliê Editorial, 2016.

    RAMOS, Fernão. Cinema Marginal (1968/1973): A Representação em seu Limite. São Paulo, SP: Brasiliense, 1987.

    XAVIER, Ismail. Alegorias do Subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal. São Paulo/SP: Cosac Naify, 2012.
    ________, “Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema”. IN: Tânia Pellegrini …[et al]. Literatura, cinema e televisão. São Paulo: Editora Senac, 2003, p. 61-90.