Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Reginaldo do Carmo Aguiar (UNICAMP)

Minicurrículo

    Reginaldo do Carmo Aguiar é formado em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia. Especialista em Análise do comportamento e Neurociência. Trabalhou com pesquisas científicas na área de Psicologia Cognitiva na UFU e em Neurociência no laboratório de Neurologia da Unicamp. É mestrando no programa de Multimeios do Instituto de Artes da Unicamp. Também escreveu um livro sobre Ciência e arte, com a indicação de mais de 200 filmes sobre autoconhecimento, autoestima e narcisismo.

Ficha do Trabalho

Título

    Um pensamento fragmentado da margem em Stuart Hall Project

Seminário

    Cinema Negro africano e diaspórico – Narrativas e representações

Resumo

    O presente trabalho pretende analisar em Stuart Hall Project, como o diretor John Akomfrah por meio da reanimação dos arquivos em “segunda mão” e em uma estrutura de “contra História” cria um cinema de reinvenção e positivação do negro. Além disso, analisar como o discurso de Stuart Hall é montado como uma voz ou pensamento fragmentado pela combinação singular de matrizes audiovisuais por uma potência das comunidades da margem, cuja referência são os Estudos culturais britânicos.

Resumo expandido

    A película “Stuart Hall Project” é uma espécie de filme biográfico, poético, cronológico, documental produzido em 2013 por John Akomfrah em formato de ensaio fílmico. Este filme britânico baseia-se quase que completamente em material de arquivo da BBC para fazer um relato experimental sobre o pensamento de Stuart Hall, o fundador dos Estudos culturais britânicos. Os trabalhos de Akomfrah são singulares porque, entre tantas coisas, se afastam do ressentimento e valorizam novas perspectivas e reinvenções positivadas da cultura negra e cria condições para refletir sobre como o passado habita e assombra o presente. Este trabalho tenta responder duas questões deste filme: 1) Como a articulação da montagem de arquivos sonoros e visuais opera um pensamento identitário em relação aos principais acontecimentos da segunda metade do século XX? 2) Como a reanimação de arquivos audiovisuais quebra a retórica professoral dos arquivos de Hall típica do documentário expositivo (Nichols, 2014) para um olhar fragmentado e reflexivo em prol da abertura de sentidos típica do ensaio fílmico? Este trabalho se propõe a fazer isso através de uma análise do reagenciamento de arquivos audiovisuais que seguem uma estrutura de “contra-análise” (Ferro, 1992) e do agenciamento e uso da compilação para ressignificar, enquanto um cinema de “segunda mão” (Blümlinger, 2013).
    Para Ferro (2004) o historiador deve ajudar a sociedade a tomar consciência dessa mistificação, fantasia, distorção dos relatos da história tradicional, em que determinados emissores e fontes são mais valorizados por meio de um princípio ou política hierárquica. Um filme, seja ele qual domínio for, sempre vai além de seu próprio conteúdo, além da realidade representada, mostrando zonas da História até então ocultadas, inapreensíveis, não-visíveis. Uma das soluções para Ferro consiste em valorizar os trabalhos que recolocaram em seu lugar legítimo as fontes de origem popular. O autor quer considerar as imagens tais como são, com a possibilidade de buscar outros saberes para melhor compreendê-las. No filme de Akomfrah, as imagens de arquivo e as bandas sonoras são montadas para revelar zonas não visíveis, instabilidades geopolíticas, guerras e seus efeitos, efeitos sobre as migrações transnacionais, problemas pós-coloniais… Onde os marginalizados estão em todos os tempos e momentos da história sem os direitos civis de um Estado Democrático. Akomfrah ao ver as ruínas do passado tenta revelar fatos históricos e as possíveis determinantes disso e cita Stuart Hall para exemplificar, dar evidência, emocionar e persuadir a favor da igualdade social. Há aqui uma ideia de que o cinema produz uma escrita historiográfica própria (FERRO, 1992).
    O procedimento de montagem é a principal ferramenta para que as imagens sejam reprocessadas e ganhem outra dimensão para serem caracterizadas como de “segunda mão”, entendendo assim seu campo para além do dispositivo cinematográfico tradicional (BLÜMLINGER, 2013). Além disso, “as montagens realçam o papel da intertextualidade na história e empurram a questão da representação cultural para um terreno pós-humanista, onde a discursividade dinamita a narratividade.” (BLÜMLINGER: 2013, 71). Este tipo de montagem cria uma consciência por meio de uma experimentação formal e de conteúdo apta a dramatizar as tensões da experiência diaspórica, das questões étnicas e minoritárias. Deste modo, Akomfrah faz com que seus arquivos não sejam meras fontes materiais ou iconográficas, mas um pensamento mais abstrato, longe do convencional e que se torna um espaço ímpar e inovador para os discursos dos excluídos ou desfavorecidos.
    Akomfrah por meio da recombinação de relatos e visibilidades atuaria como uma espécie de historiador dissidente ou complementar da História tradicional. Na verdade, um historiador das imagens de “segunda mão” empenhado em reanimar memórias, mediante operações de montagem por meio de um pensamento ensaístico em prol da comunidade das margens.

Bibliografia

    DRUDAH, Rajinder. Reading The Stuart Hall Project. Journal of British Cinema and Television. Edinburg University press;12(3):383-401, 2015.
    BLÜMLINGER, Christa. Cinéma de seconde main: Esthétique du remploi dans l’art du film et des nouveaux médias. Paris: Klincksieck, 2013.
    CORRIGAN, Timothy. O filme-ensaio – Desde Montaigne e depois de Marker. Papirus: Campinas, 2015.
    FERRO, Marc. Cinema e história. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1992.
    FERRO, Marc. O conhecimento histórico, os filmes, as mídias. O Olho da História – n.6, julho, 2004.
    HALL, Stuart. Da diáspora – Identidade e mediações culturais. Editora UFMG: Belo Horizonte, 2018.
    NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Papirus: Campinas, 2014.
    RASCAROLLI, Laura. The personal câmera – Subjective cinema and essay film. Columbia University Press, 2009.
    TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. O ensaio no cinema – Formação de um quarto domínio das imagens na cultura audiovisual contemporânea. Hucitec: São Paulo, 2015.