Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Arthur Fernandes Andrade Lins (UFF/UFPB)

Minicurrículo

    Professor de Montagem no curso de cinema da UFPB. Possui experiência no campo do audiovisual, desenvolvendo atividades teóricas e práticas. Atua como diretor/roteirista/montador, tendo realizado filmes exibidos e premiados em importantes festivais nacionais. Mestre em Letras/UFPB com pesquisa sobre narratologia audiovisual e processos de adaptação. Doutorando no PPGCINE/UFF com pesquisa voltada para o cinema contemporâneo brasileiro em diálogo com o gênero de ficção-científica.

Ficha do Trabalho

Título

    O espaço fora do lugar no filme ‘Inferninho’ (2018)

Seminário

    Cinema brasileiro contemporâneo: política, estética, invenção

Resumo

    A partir do filme Inferninho (2018), dirigido por Guto Parente e Pedro Diogénes, buscarei refletir sobre a categoria de espaço no que se refere a sua condição material, diegética e fabular, onde a ficção se impõe como um gesto de reinvenção possível do mundo. Esse gesto se insere na fabricação do espaço, mas se estende e se amplia a partir de uma estratégia de deslizamento das identidades, transformando o lugar do imaginário em uma espécie de laboratório das mutações subjetivas.

Resumo expandido

    Marcado pelo excesso do artifício e da dramatização, Inferninho (2018), filme dirigido por Guto Parente e Pedro Diógenes, se insere em um panorama recente do cinema brasileiro independente que busca, através da ficção e das potencias do falso, criar pontes com o discurso da realidade dominante, em uma aposta politica e estética do cinema como espaço privilegiado para o gesto da fabulação.

    Pretendemos com esse ensaio analisar quais procedimentos fílmicos são utilizados na concretização desse espaço inventado, como por exemplo a emulação de um estúdio cinematográfico, a utilização do chroma key, o uso de fantasias e adereços que hiper-ficcionalizam os personagens e os efeitos de iluminação e cor.

    Acreditamos que essas estratégicas estéticas atuam na constituição de um espaço relacional que propicia fissuras na fixidez das identidades e no estabelecimento das fronteiras do imaginário, que cerca e impossibilita aos espectadores a invenção de si e do mundo.
    Ao tratar a categoria de espaço como uma palavra-chave em evidência em diversos campos do saber, o geógrafo David Harvey propõe uma distinção que possa ser útil conceitualmente para indicar significados mais específicos no uso do termo. Partiremos como base de sua divisão tripartite no intuito de refletirmos sobre o espaço em Inferninho, propondo termos correlatos que possam ser mais eficazes na análise cinematográfica. Dessa forma, propomos que o espaço absoluto, relativo e relacional sejam aqui tratados em termos de espaço concreto, diegético e fabular.

    Em cinema, por espaço concreto, pensamos o equivalente a uma locação, termo designado no processo de pré-produção de um filme para o lugar determinado onde irá ocorrer a filmagem. Em Inferninho, ao concentrar praticamente toda a ação do filme em apenas um lugar – o bar homônimo – podemos afirmar que a construção material desse espaço nos indica uma série de procedimentos narrativos/estéticos que será determinante para a concretização do filme como um todo.

    No que se refere ao espaço diegético, acompanhamos o percurso da crise da personagem Deusimar, desencadeada a partir do encontro/desencontro com o personagem do Marinheiro, e da própria impossibilidade de que o bar se mantenha intacto diante das questões que atravessam o mercado imobiliário e as relações sociais criadas dentro de um sistema capitalista capilarizado. É nos desdobramentos dessa crise que o equilíbrio em Inferninho é rompido para que as tensões e conflitos venham desestabilizar o lugar e criar as condições de um espaço aberto e dinâmico, onde imprevistas relações podem se dar e o todo-mundo se ampliar em sua inquietante complexidade, se inserindo simbolicamente no tecido narrativo do filme.

    O tempo da narração, ou do relato, é detonador de um espaço fabular em criação, eclode a fixidez imóvel do absoluto e instaura o espaço movediço de uma subjetividade atuante.

    Como nos sugere Michel de Certeau, o espaço – aqui já pensado em termos relacionais – “estaria para o lugar como a palavra quando falada, isto é, quando é percebida na ambiguidade de uma efetuação” (CERTEAU, 1994, 205). A palavra (obra) plural já não corre em sentido único e nem se deixa manipular pelo controle do gesto ordenador, mas implode o referencial ao se lançar na teia das significações que se espalha por todas as direções. Nesse curto-circuito em potencial, buscaremos reter o complexo jogo de identidades que se enreda no tecido narrativo do filme e traçar algumas notas que possam sugerir uma política progressista que leve em conta a imprevisibilidade e o descontrole como a desmedida dos processos relacionais.

Bibliografia

    CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
    GLISSANT, Édouard. Introdução a uma poética da diversidade. Tradução de Enilce Albergaria Rocha. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005.
    HARVEY, David. O espaço como palavra-chave. In: EM PAUTA, Rio de Janeiro – 1 semestre de 2015-n.35, v.13, p. 126-152
    LAZZARATO, Maurizio. Signos, Máquinas, Subjetividades. São Paulo: Edição Sesc: n-1 edições, 2014
    MASSEY, Doreen. Um sentido global do lugar. In ARANTES, Antonio A. O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2001.