Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria do Socorro Sillva Carvalho (UNEB)

Minicurrículo

    Maria do Socorro Carvalho é pesquisadora do cinema brasileiro contemporâneo, professora do Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens e do Curso de Comunicação Social da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Doutora em História Socal pela USP, com pós-doutorado junto à PUCRS, é autora, entre outros trabalhos, dos livros A Nova Onda Baiana; cinema na Bahia, 1958-1962 (Edufba, 2003) e Imagens de um Tempo em Movimento; cinema e cultura na Bahia nos Anos JK, 1956-1961 (Edufba, 1999).

Ficha do Trabalho

Título

    “SUPEROUTRO” OU MEMÓRIA DE UM CINEMA

Mesa

    MEMÓRIA(S) DA INVENÇÃO NO CINEMA BAIANO

Resumo

    Filme fundamental da filmografia de Edgard Navarro, “Superoutro” (1989) é resultado de realizações do cineasta no superoitismo bem como ponto de partida para seus filmes posteriores, em particular, o mais recente longa-metragem, “Abaixo a gravidade” (2017). Nessa perspectiva, ao condensar um conjunto de situações e personagens, “Superoutro” constrói camadas arqueológicas de memórias do cinema de invenção do realizador, que são ainda parte importante da memória do cinema brasileiro contemporâneo.

Resumo expandido

    Esta comunicação busca discutir o cinema experimental de Edgard Navarro por meio do seu cultuado média-metragem “Superoutro” (1989), em relação a certo conjunto de sua própria filmografia – desde seus primeiros curtas-metragens em Super-8, “Alice no país das mil novilhas” (1976), “O rei do cagaço” (1977), “Exposed” (1978) e “Lin e Katazan” (1979), filmes dos quais ele retoma elementos, figuras e situações, até o seu mais recente longa-metragem, “Abaixo a gravidade” (2017), título que faz referência ao personagem Superoutro, que acredita ser seu dever voar. Este “doido varrido” condensa uma galeria de indivíduos errantes que vagam pela cidade, como náufragos, entre os destroços da nossa fantasia de modernidade. Segundo o realizador, “Superoutro é a encarnação de muitas vozes anônimas, propondo um discurso disfarçado de ininteligível, mas pejado de segundas e terceiras intenções” (NAVARRO, 2011). Esse discurso produzido pelo “cinema de invenção” de Navarro é estabelecido na tensão entre os ecos da repressão política do regime militar (1964–1985) e da revolução de comportamento que irrompeu das demandas comportamentais da contracultura dos anos 1970, um projeto político de transformação social pela via individual (ROSZAC, 1972). Trinta anos depois de “Superoutro”, o cinema de Edgard Navarro permanece como elogio aos valores libertários da contracultura – a democratização da vida, com corpos livres, almas livres e arte livre, logo, um cinema também livre de convenções estéticas, como ensinava o “guru” Luiz Carlos Maciel (2007). Questionar relações entre utopias e impasses socioculturais pode ajudar a entender dimensões fundamentais do cinema de Edgar Navarro, no qual pulsam personagens transgressores, párias, “loucos” e conscientes da necessidade de livre-arbítrio, de se saberem corpos e espíritos livres. São seres que só querem ser deixados em paz para organizar a própria vida e fazer o que quiserem dela, que escolheram – ou não – uma vida marginal em detrimento daquela imposta pela sociedade estabelecida. Por isso, como define o seu criador, Superoutro é um exilado urbano, de traços tragicômicos, libertário e em permanente tensão como a “normalidade” à sua volta, como uma espécie de “Quixote da periferia”. Ou, talvez, ele seja apenas um “resíduo” da modernidade, tratada a contrapelo pelo diretor. Ainda conforme Navarro, seu filme emblemático traça um “painel pop-barroco-baiano”, resultante de uma “antropofagia cultural”. Nas diversas referências cinematográficas que compõem esse painel, pode-se descobrir uma galeria mais ampla de personagens “loucos”, “violentos”, “desencantados” que marca o cinema feito na Bahia. Nessa perspectiva, Superoutro parece ser a soma (ou a multiplicação ou divisão, tanto faz) desses personagens que o cercam. A partir dessas questões, pretende-se abordar dimensões históricas presentes na construção do “Superoutro” como camadas arqueológicas (GODARD, 1989) de memórias das transformações diversas – culturais, estéticas e comportamentais – que se desdobram no cinema baiano-brasileiro contemporâneo.

Bibliografia

    FERREIRA, Jairo. Cinema de invenção. São Paulo, Max Limonad, 1986.
    GODARD, Jean-Luc. Introdução a uma verdadeira história do cinema. Trad. Antonio de Padua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
    NAVARRO, Edgard. “Alucinada lucidez: O homem que não dormia”. Entrevista de Daniela Galdino. Operária das ruínas. 2011. Disponível em: http://operariasdasruinas2.blogspot.com.br/2011/alucinada-lucidez-o-homem-que-nao-dormia 25.html. Acesso em: 17/03/2016.
    MACIEL, Luiz Carlos. “O tao da contracultura”. In: ALMEIDA, M. I. ; NAVES, S. C. (org.). Por que não? Rupturas e continuidades da contracultura. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.
    ROSZAK, Theodore. Para uma contracultura. Petrópolis: Vozes, 1972.