Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Laécio Ricardo de Aquino Rodrigues (UFPE)

Minicurrículo

    Doutor em Multimeios pela Unicamp e professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM), da UFPE.

Ficha do Trabalho

Título

    Como mensurar a “escrita de si” no documentário?

Resumo

    Neste trabalho, desejamos avaliar três conceitos – autobiografia, autoficção e auto-retrato -, ponderando suas adequações e valor heurístico para entendermos o que está em operação em certa produção documentária marcada pelo triunfo da enunciação em primeira pessoa, operação conduzida majoritariamente pelo diretor, que deixa o antecampo, ocupa a cena e partilha conosco algumas de suas aflições/inquietações, num transbordamento subjetivo por vezes surpreendente.

Resumo expandido

    Como indicam Michael Renov (2004) e Laura Rascaroli (2009), dentre outros autores, desde os anos de 1970, desponta no documentário uma vertente marcada pelo triunfo da enunciação em 1a pessoa, enunciação esta conduzida/articulada majoritariamente pelo diretor, cuja presença física (voz e/ou corporalidade) também se intensifica e se afirma na tomada. Nesta tradição, pois, o documentarista não é mais um mediador, não se restringe aos bastidores, tampouco se limita à assinatura de abertura ou desfecho dos créditos. Ele é alguém que deixa o antecampo, ocupa a cena e partilha conosco algumas de suas aflições/inquietações pessoais, num transbordamento subjetivo por vezes surpreendente.

    Fato notável se ponderarmos que o documentário, historicamente, não se codificara enquanto obra demasiadamente autoreferenciada. Ou seja, em geral, não fazemos um documentário sozinho, tampouco apartado da pulsação cotidiana e das urgências dos nossos dias – sem conexão com nossos pares, com os grupos sociais com os quais interagimos e os dilemas por eles enfrentados. Paixão pela alteridade, redescoberta de si no outro e vice-versa, revisão de nossas convicções – eis uma definição possível para esta atividade e seus engajamentos, embora não desprovida de limitações.

    Mas eis que a prática contemporânea do documentário nos revela esta espécie de “primazia do eu” em alguns títulos, operação na qual a presença cênica do diretor, ora performática, ora confessional, reforça uma individualidade e autoria, outrora limitada à gestão do processo criativo e à interação com os sujeitos no mundo. Espécie de autor-personagem, nestas obras o cineasta se entrega a um relato de si e do seu entorno próximo marcado pela explicitação do íntimo, por vezes com tonalidades autobiográficas.

    Feita tais observações, chegamos ao ponto central do debate que desejamos cotejar e aprofundar. Embora seja um fenômeno bem discernido na obra de alguns autores, notamos que ainda são pouco precisas as ferramentas conceituais de abordagem e entendimento desta prática fílmica. Afinal, o que está em jogo nesta operação na qual um relato íntimo (do diretor) se adensa e questões outrora privadas são publicizadas? Seria um esforço de construção e elaboração autobiográfica? Se o for, quais as características deste exercício – a autobiografia? Ou seria, uma construção mais próxima da autoficção, conceito apregoado por certa teoria literária francesa (Noronha, 2014) e talvez evidente em alguns destes filmes? Ou seria o auto-retrato, na apreciação que Bellour (2000) e Rascaroli (2009) fazem deste conceito, a categoria que melhor expressa o que está em jogo nesta “escrita de si” no documentário?

    Nesta apresentação, desejamos mensurar tais conceitos, avaliando suas possibilidades e valor heurístico para ponderarmos o que está em operação nos filmes marcados pelo triunfo da enunciação em primeira pessoa. Uma proposta que se pretende introdutória, diga-se de passagem, tendo em vista a complexidade destas categorias e o viés inicial do estudo.

Bibliografia

    BELLOUR, Raymond. Auto-retratos. In: Entre-imagens. Campinas: Papirus, 2000.
    BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
    KLINGER, Diana. Escritas de si, escritas do outro – o retorno do autor e a virada etnográfica. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.
    LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico. Belo Horizonte: EDUFMG, 2008.
    NORONHA, Jovita. Ensaios sobre a autoficção. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2014.
    RASCAROLI, Laura. The personal camera: subjective cinema and the essay film. Nova Iorque: Columbia University, Wallflower Press, 2009.
    RENOV, Michael. The subject of documentary. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2004.