Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Leonardo Guimarães Rabelo do Amaral (UFMG)

Minicurrículo

    Curador das mostras “Tempos de Kuchar” (Sesc Palladium, 2016), “Mostra Escola: Cidade Aberta” (Caixa Cultural São Paulo, 2017) e Retrospectiva Helena Solberg (CCBB RJ-SP-DF, 2018). Membro de comissões de seleção do Festcurtas BH (2010-2013), do Forumdoc.BH (2015 e 2017), da Semana de Cinema do Rio (2016) e do Lumiar (2018). Roteirista e diretor de 3 longas e 12 curtas. Doutorando, mestre e graduado em Comunicação Social pela UFMG. Crítico e ensaísta em diversas revistas e catálogos.

Ficha do Trabalho

Título

    O céu e a areia de Copacabacana: onde residem a luz e a escuridão

Resumo

    Sob a luz dos conceitos de origem e imagem dialética de Walter Benjamin e dos de anacronismo propostos por Jacques Rancière, Georges Didi-Huberman e Giorgio Agamben, ensaia-se aqui proposições sobre os modos de vida, de trabalho e de lazer no filme Fábula ou Meu Lar é Copacabana (1965), de Arne Sucksdorff.

Resumo expandido

    Uma das indagações posta ao poeta contemporâneo é a de que ele deve manter fixo o olhar no seu tempo? O questionamento faz transcorrer em seu cerne uma nova pergunta: o que é contemporâneo? Giorgio Agamben (2009: 62-63) ensaia uma resposta sobre a contemporaneidade ao fazer a seguinte reflexão: “contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. (…) Contemporâneo é (…) aquele capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente.” Na visada de Agamben, o tempo histórico não é percebido como homogêneo. Há, portanto, um anacronismo do tempo histórico que pode ser percebido por uma dobra no presente. Mergulhar nas trevas do agora a fim de se compreender algo de outro momento. A história, vista em sua forma linear, empreende uma batalha contra o anacronismo, que, por sua vez, lança os sujeitos no desafio de não crerem na crença de seu próprio tempo. De acordo com Jacques Rancière (2001), a história possui uma pretensão de ser consensual e não é. É possível mostrar outras temporalidades dentro de um mesmo tempo. É preciso romper com essa ideia teleológica da história, fraturar com a noção de tempo homogêneo. Nesse sentido, o anacronismo seria um modo de se cortar relação com esse tipo de posicionamento do historiador. Ainda que crítico em relação a um certo determinismo técnico na construção do pensamento de Walter Benjamin em relação ao conceito de história, Rancière alcança uma proximidade na crítica a essa história linear e homogênea. Desta maneira, se aproxima também das concepções lançadas por Agamben, ainda que as orientações e encaminhamentos se difiram substancialmente.
    Se a ideia de anacronismo produz revezes temporais e, segundo a concepção de Rancière, as reivindicações da linearidade do tempo são reivindicações do saber e do poder, logo, esse mesmo anacronismo se apresentaria como um gesto político em relação à imagem contemporânea. O que resiste, então, dessa imagem contemporânea? Para Georges Didi-Huberman (2015: 16):
    Diante de uma imagem, enfim, temos que reconhecer humildemente isso: que ela provavelmente nos sobreviverá, somos diante dela o elemento de passagem, e ela é, diante de nós, elemento de futuro, o elemento da duração (durée). A imagem tem frequentemente mais memória e mais futuro que o ser (étant) que a olha.
    Segundo este pensamento, o anacronismo seria necessário e fecundo diante de um passado que se revela insuficiente e que se mostre um obstáculo a sua própria compreensão. Diante da imagem pretérita, existe uma tendência a interpretações guiadas por categorias e ferramentas do passado. Este seria o ideal do historiador que compreende a história em sua linearidade, em sua homogeneidade.
    Diante da imagem, um caleidoscópio de tempos. O ferramental possível para a análise de um filme como Fábula ou Meu lar é Copacabana (1965), realizado pelo cineasta sueco que criou raízes no Brasil, Arne Sucksdorff, encontra ressonâncias nas teorias trazidas à baila anteriormente. No longa-metragem, quatro crianças que moram no morro da Providência no Rio de Janeiro têm suas vidas atravessadas pela ausência de um lar e transitam sempre entre o morro e a praia. Paulinho é engraxate, Rico e Jorginho aplicam pequenos golpes no comércio de pipas nas areias de Copacabana, enquanto Lice é uma jovem lavadeira de roupas. Com referências fortes de realismo e uma dose de poesia, o filme é um apanhado entre as peripécias e sonhos desses quatro personagens.No corpo a corpo com o longa-metragem, buscaremos resgatar os conceitos e noções juntamente com categorias de análise como, por exemplo, mise-en-scène e montagem.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009.
    BARTHES, Roland. A câmera clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1984.
    BENJAMIN, Walter. Paralipomènes et variantes des thèses sur le concept d’histoire. Écrits français. Paris: Gallimard, 1991.
    BENJAMIN, Walter. Origem do drama trágico alemão. São Paulo: Autêntica Editora, 2011.
    BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. Obras escolhidas I: Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 2008.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante do tempo: história da arte e anacronismo das imagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014
    PASOLINI, Pier-Paolo. L’articolo delle lucciole. Saggi sulla politica e sulla società. Milão: Arnoldo Mondadori, 1999.
    RANCIÈRE, Jacques. A história em pedaços. In: Folha de São Paulo, 11 nov. 2001.