Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Régis Orlando Rasia (UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutor em multimeios pela UNICAMP com a tese: “Poéticas da presença e mise-en-presença nos filmes de Rogério Sganzerla”, mestre na mesma instituição, pós-graduado em Artes Visuais: Cultura e Criação e formado em Comunicação Social: Publicidade e propaganda pela UNIJUÍ. Possui interesse em linhas de pesquisas sobre a pós-produção no audiovisual, cinema brasileiro, filme-ensaio e cinema experimental. Atua como docente no bacharelado em audiovisual do Centro Universitário Senac em São Paulo.

Ficha do Trabalho

Título

    Sensório motor como coextensão do corpo personagem-espectador.

Resumo

    Qual a relevância da expressão: “sinto a mão do montador-diretor” como parte dos movimentos criativos na timeline (ou na moviola)? Retomando algumas questões levantadas por Deleuze sobre o cinema moderno, buscamos discutir nesta apresentação três dimensões da interrupção ou da suspensão da automatização do sensório motor das personagens como extensivo (e interligado) ao sensório motor do espectador: afetado, colapsado e sob o tempo fora do eixo.

Resumo expandido

    De que maneira a montagem, quando interligada a decupagem, se transforma em uma parte indissociável da construção da atmosfera e da ambiência da obra por suas rupturas? Partindo do extenso debate no cinema a respeito da “percepção da câmera” como um corpo-presença no filme (Pasolini, 1981), buscamos verificar o modo como a mesa de edição configura-se como uma presença notada a partir das rupturas das ligações sensórias motoras do espectador.
    Esta proposição, notavelmente, se difere do código do cinema clássico, constituído de forma mais orgânica e abalizado por uma rígida decupagem que opera através de cortes racionais e por encadeamentos lógicos na observância do espaço, do movimento ou do tempo da narrativa. Deleuze (2005, p.329) diz que o cinema moderno do pós-guerra se contrapõe às circunstâncias do cinema clássico ao absorver um novo regime das imagens, capaz de instaurar a incomensurabilidade dos cortes. A montagem como ligação já não parte de uma imagem a outra, tampouco as imagens se encadeiam por cortes racionais, mas se reencadeiam com base em cortes irracionais.
    Mas, como reagir quando nos falta reação? De que maneira mostrar a falta de ação, ou como “filmar” o que se passa internamente na cabeça de um personagem em intervalos de crise? Daí o recorte sobre o sensório motor afetado ou colapsado como àquele que dissolve as situações fortes do realismo tradicional: “personagens, envolvidas em situações óticas e sonoras puras” cuja o esquema sensório-motor já não se exerce de forma automatizada, mas também não é ultrapassado ou superado, pois “ele se quebra por dentro” (DELEUZE, p.55). Com o tempo fora do eixo e do transcorrer natural — distante de uma lógica de fluxo da narrativa com início, meio ou fim — a trama de determinados filmes refletem as perturbações das personagens, imprimindo na tela as rupturas das ligações entre os acontecimentos, internalizados, afetados ou muito mais soltos, que ora o desequilibram, ora distraem a percepção das personagens.
    O cinema moderno, por assim dizer, provém da fissura da causa e efeito, rompendo com a explicação das circunstâncias do ambiente que rodeiam os corpos e instalando-se nos afetos das personagens. Nas palavras de Ivana Bentes mencionadas por Augusto (2004, p.102), o cinema e o pensamento moderno surge “do que é terrível demais, belo demais, intolerável”, por certo, é como se “fossemos colocados diante de situações que não podem mais se prolongar em ações”. A afecção, constituída na relação entre espectador e personagem, é emoldurada em nosso corpo agindo ao perceber o indizível do movimento do mundo.
    Oliveira (2015) recorta com maior precisão a variável da percepção do sensório motor no cinema de Alfred Hitchcock, nos “lugares ocupados por espectador e personagem”, fala sobre a dimensão do personagem-espectador e o colapso do esquema sensório-motor nos filmes do diretor, a efeito de uma imagem mental que incide de maneira exterior a imagem, por conta da ausência da locomoção dos personagens, a ação dos corpos das personagens é afetada por algo que lhe é exterior ou interior (em potência e em vidência interior).
    Perceber, então, consiste em uma espécie de impressão dos sentidos durante a exibição de uma obra. Consiste na atribuição do aparato cinematográfico como a própria condição da mise-en-scène como uma presença de um corpo que é único, por assim dizer, coextensivo aos corpos dos atores, no corpo do diretor e de sua equipe (por vezes fora de quadro), e na própria existência da câmera (legível como parte de um corpo, por se movimentar na cena, ou como extensão dos corpos do diretor e dos personagens).
    Há um terceiro aspecto na mise-en-scène que deve ser considerado, o espaço da visualidade constituída para o filme ocupado pela montagem. Temos, então, quatro presenças corpóreas e incorpóreas: os atores, o diretor e sua equipe (que pode muito bem ser o corpo da própria câmera), e, por consequência, o espectador a ser lançado na tela com a valência da montagem.

Bibliografia

    AUGUSTO, Maria de Fátima. A montagem cinematográfica e a lógica das imagens. São Paulo Ed: Annablume, Belo Horizonte: FUMEC, 2004.

    DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. Tradução de Eloisa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2005.

    OLIVEIRA, Leonardo Araújo. O personagem-espectador e o colapso do esquema sensório-motor no cinema. In: Revista Sísifo, Dossiê, 28.08.2015, acessado em 13.03.2017

    PASOLINI, Pier Paolo. Empirismo herege. Tradução de Miguel Serras Pereira. 152. ed. Lisboa: Garzanti, 1981.