Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Erika Amaral (ECA-USP)

Minicurrículo

    Erika Amaral é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais na Escola de Comunicações e Artes (USP) com a pesquisa “Representações da mulher caipira no cinema brasileiro: Amélia (2000), de Ana Carolina, e Uma Vida em Segredo (2001), de Suzana Amaral”, bolsa FAPESP de nº 2018/13482-7. Graduada em Ciências Sociais (FFLCH-USP), integra os grupos de pesquisa História e Audiovisual (CNPq) e Mirada – Estudos de Gênero e Audiovisual. E-mail: erika.amaral.pereira@usp.br.

Ficha do Trabalho

Título

    O ressentimento da mulher caipira em Amélia (2000), de Ana Carolina

Resumo

    No cinema brasileiro contemporâneo, a presença de ressentimentos e as evocações do passado no tempo presente são temáticas recorrentes, que podem ser interpretadas como críticas a questões que extrapolam a dimensão diegética, como, por exemplo, problemáticas sociopolíticas. Por meio do filme Amélia (2000), dirigido por Ana Carolina, objetiva-se analisar o delineamento de críticas à condição colonial nas atitudes e discursos das protagonistas, caipiras ressentidas, diante da figura estrangeira.

Resumo expandido

    Amélia (2000), longa-metragem ficcional de Ana Carolina, reúne três dos principais eixos temáticos que caracterizam o cinema brasileiro contemporâneo desde a retomada (Xavier, 2018): a presença de uma figura estrangeira em território nacional, a imagem do ressentimento e o motivo temático do passado no presente.
    No filme, ambientado em 1905, três mulheres, moradoras de uma fazenda no interior de Minas Gerais, são convocadas por sua irmã que vive na França, por meio de uma carta, para auxiliar na recepção da célebre atriz francesa Sarah Bernhardt, em viagem ao Brasil. A autora da carta, porém, morre: resta às caipiras reclamar sua herança para evitar a perda das terras da família, o que culmina em um ato de vingança que causa a amputação da perna da atriz.
    Para analisar Amélia, as ponderações sobre o motivo temático “o passado no presente” partem da ideia de “estratos do tempo” operacionalizada por Koselleck (2014). O ressentimento, por sua vez, será pensado através da perspectiva de Scheler (2010), ora associada ao cinema. Ambos estes eixos temáticos são postos em diálogo com o cinema da retomada por Xavier (2018; 2002). Finalmente, a referência à cultura caipira dialoga com o estudo antropológico de Candido (2010).
    De diversas maneiras, neste filme, as personagens sentem e agem orientadas pelo ressentimento. Este sentimento é agravado pela incomunicabilidade linguística, ora por meio de discursos inflamados pela frustração, como a recorrência da frase “e o dinheiro, madame?”, proferida pelas mineiras buscando reaver o dinheiro necessário para salvar suas terras; ora pela peleja de palavras entre Sarah Bernhardt, que defende sua fala de colonizadora destronada, e as caipiras, que declamam o poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias, contra as humilhações da francesa. Em um ato final, alimentado pelo rancor e motivado pela vingança, as caipiras retiram as almofadas que amorteceriam a queda de Bernhardt quando do suicídio da personagem Floria em A Tosca, causando um grave acidente.
    Por outro lado, a recorrência do passado no presente é vívida: seja pelo comentário musical que revela a melancolia pelo abandono da fazenda, seja pelas evocações constantes à carta escrita pela irmã falecida por meio da repetição amargurada da frase “finjam que conhecem tudo muito bem”, ou seja pela potente imagem criada pelo espelho. Em um dos poucos planos em que caipira e francesa ocupam o mesmo quadro, diante de um espelho, Bernhardt menciona que “os olhos de Amélia observavam minha decadência”, sob o olhar insensível de Francisca logo atrás de si. Com isto, a presença da primogênita é confundida com a recordação de Amélia operada pela atriz, o que sela o “retorno” de Amélia na figura de sua irmã mais velha, pois ambas desempenham um papel de julgamento que tortura a grande diva francesa. Assim, surgem reverberações de um passado comum, permeado pela morte de Amélia, pelos acúmulos temporais e por trajetórias de vida apartadas, que se encontram no presente histórico da diegese.
    A partir de tais conflitos, é possível inferir a emergência de uma dimensão alegórica, que aponta para as tensões herdadas do imperialismo europeu no continente americano. Assim, a contaminação pelo ressentimento, agravada pelos engodos do passado que reverberam no presente, contribuem para delinear uma alegoria dos três séculos de colonização europeia sobre o território brasileiro. Este amargor do conflito não resolvido que se arrasta pelo cotidiano, da ferida aberta do imperialismo, emerge na peleja final entre Francisca e Bernhardt, em que a atriz francesa explicita o desprezo europeu pelos hábitos culturais indígenas, pelos modos de vida não-industriais, pelo comportamento “selvagem”, segundo a perspectiva da invasora. Já Francisca vem a assumir, por meio da declamação de I-Juca Pirama, a figura da mulher enquanto símbolo da identidade nacional, como propõe Xavier (1997), combalida pela presença estrangeira e invasora, em defesa da cultura brasileira diante da europeia.

Bibliografia

    CANDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010.
    KOSELLECK, R. Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio de Janeiro, Editora Contraponto/Editora PUC-Rio, 2014.
    MORETTIN, E. “Colonizar é Civilizar”: o Cinema e a Exposição Colonial Internacional (Vincennes, 1931). História: Questões & Debates, n. 61, jul./dez.: 233-249, 2014.
    NAGIB, L. Além da diferença: a mulher no Cinema da Retomada. Devires, Belo Horizonte, v. 9, n. 1, p. 14-29, jan/jun, 2012.
    SCHELER, M. Ressentiment. Wisconsin: Marquette University Press, 2010.
    TOLENTINO, C. A. F. O rural no cinema brasileiro. São Paulo: UNESP, 2001.
    XAVIER, I. Figuras do ressentimento no cinema brasileiro dos anos 90. Aniki: Revista Portuguesa da Imagem em Movimento, 5, jun. 2018.
    ______. A personagem feminina como alegoria nacional no cinema latino-americano. Balalaica – Revista Brasileira de Cinema e Cultura. São Paulo, n. 1, 1997.
    ______. O concerto do ressentimento nacional. Sinopse, v. IV, n.8, p. 35-37, 2002