Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    CIRO INACIO MARCONDES (UCB)

Minicurrículo

    É professor, crítico e pesquisador de Histórias em Quadrinhos e Cinema. Atualmente leciona no curso de Comunicação e no Mestrado Profissional Inovação em Comunicação e Economia Criativa da Universidade Católica de Brasília. É Doutor em Comunicação e Mestre em Literatura pela UnB, com passagem pela Sorbonne. É o editor do site Raio Laser, especializado em crítica de HQ, e mantém semanalmente, no portal Metrópoles, a coluna ZIP – Quadrinhos e Cultura Pop. Membro da SOCINE desde 2009.

Ficha do Trabalho

Título

    Histórias em quadrinhos de Sganzerla: filme marginal, mídia marginal

Resumo

    O filme Histórias em quadrinhos (1969), de Rogério Sganzerla, unia a transgressão do cinema chamado “marginal” com aquela própria da mídia quadrinhos para reivindicar legitimidade para esta forma de expressão, historicamente negada e censurada. Este trabalho procura pensar a maneira que o filme antecipou um processo de reconhecimento dos quadrinhos que levou décadas para ser efetivado, ao mesmo tempo que vai analisar a própria estética dos quadrinhos no cinema de Sganzerla, com suas contradições

Resumo expandido

    Em 1969, o cineasta Rogério Sganzerla realizou dois curtas-metragens que serviam como espécie de estudo para seu segundo longa-metragem, A mulher de todos. Este filme conta com a participação de Jô Soares como um “industrial das histórias em quadrinhos” e abusa da relação que Sganzerla tinha com a “cultura pop”, na época em processo de legimitação como um fenômeno pós-Eco e pós-McLuhan. Os quadrinhos são tema destes dois curtas, Histórias em quadrinhos e Quadrinhos no Brasil. Ambos foram realizados em parceria com um pioneiro da pesquisa sobre quadrinhos no Brasil, Álvaro de Moya, que realizara, em 1951, a primeira exposição mundial de quadrinhos. O primeiro dos dois curtas, Histórias em quadrinhos, em muito ultrapassou seu caráter de exercício e revelou-se linguagem com potência autônoma, capaz de discorrer sobre a história do meio realizando interessante intersecção com as formas do cinema. O texto, narrado em voz over, é de autoria de Moya, e o filme de Sganzerla se coloca como eficiente sincretismo entre o pensamento historiográfico linear do primeiro e a linguagem fragmentária tropicalista/marginal do segundo.

    A ideia de voltar ao filme Histórias em quadrinhos vem da efetivada legitimação da proposta de Sganzerla e Moya em relação ao quadrinho brasileiro, especialmente na última década. Com uma volumosa produção recente e algumas obras laureadas, a HQ brasileira viu crescer o número de romances gráficos e trabalhos dedicados a todo tipo de público, especialmente o adulto. Documentários recentes ratificaram aquilo que já discursava o modesto filme de Sganzerla e Moya. Porém, em relação a este e aos dias de hoje, cabe-se pensar uma questão: que teleologia sobre a história das HQs estava sendo pensada no filme?

    A relação da marginalidade-Sganzerla com a marginalidade-quadrinhos possui assimetrias. O diretor nunca assumiu ou gostou do termo “marginal”. “O país já era marginal em 1969, era uma abominação. O que tentei foi ser honesto. Não existe cinema marginal, existe cinema moderno”. (SGANZERLA, 1990). O nome problemático, porém, não nos permite deixar de pensar que este cinema buscava uma atuação que estivesse fora dos alicerces do grande cinema clássico Hollywoodiano, buscando subverter economia e política por meio da linguagem. Os quadrinhos são também uma forma de arte que sofreu forte censura, em diversos países, especialmente entre os anos 1950 e 1970. Na época do filme Histórias em quadrinhos, poucos levavam esta linguagem a sério. “Sendo a mais visível, menos censurada e mais popular expressão de entretenimento juvenil, a história em quadrinhos era também a mídia mais selvagem e alienígena à sensibilidade adulta”. (WRIGHT, 2001)

    É curioso, portanto, pensar que o filme de Sganzerla buscava a legitimação de uma forma de linguagem supostamente marginal com o procedimento de erigir um cânone bastante claro e óbvio para esta forma de comunicação. O filme é narrado como table top, ou seja, somente as imagens dos quadrinhos são mostradas, em sequência e montagem. Na historiografia narrada, informações que hoje são clichês (e até alguns equívocos) sobre os quadrinhos: o “jornalismo amarelo” suscitado pelo Yellow Kid; Burne Hogarth como “Michelangelo” dos quadrinhos; Mandrake “inspirando” O ano passado em Marienbad. No final, os quadrinhos reivindicam um lugar ao sol como a “oitava arte” (hoje, “nona”). A montagem sganzerleana e o table top ajudam a fazer do filme “solidariedade icônica”, para ficar no termo do teórico Thierry Groensteen (2009), ou seja, uma codependência imagética entre ilustrações que produzam sentido no contato.

    Restam, portanto, perguntas, dentro de uma dialética: como o aspecto “transgressor” do filme de Sganzerla ajuda a legitimar uma versão da história dos quadrinhos que afirma um cânone neutralizador da própria transgressividade do meio? E como, no final das contas, este cânone legitimizado ajudou a levantar uma nova geração transgressora nos anos 2010?

Bibliografia

    BEATY, Bart. Comics versus art. University of Toronto: Toronto, Buffalo, London, 2012.
    BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media. United States: MIT Press, 2000.
    CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL. Catálogo da mostra Cinema Marginal Brasileiro. São Paulo, 2009.
    GROENSTEEN, Thierry. The system of comics. Jackson: University of Mississipi Press, 2007.
    HEER, Jeet; WORCESTER,Kent (Org.). A comics studies reader. Jackson: University Press of Mississipi, 2009.
    MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Trad. deDécio Pignatari. São Paulo: Cultrix, 1964.
    MICHAUD, Philippe Alain. Filme: por uma teoria expandida do cinema. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.
    MOYA, Álvaro de. (Org.). Shazam! São Paulo: Perspectiva, 1977.
    SGANZERLA, Rogério. Entrevista concedida ao Museu da Imagem e do Som. Projeto Cinema Depoimento. São Paulo, 1990.
    WRIGHT, Bradford W. Comic book nation. The transformation of youth culture in America. John Hopkins, 2003.