Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    MEIRE OLIVEIRA SILVA (nenhum)

Minicurrículo

    Meire Oliveira Silva é doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada (FFLCH-USP) e professora de Literatura Brasileira e Portuguesa. Autora de “O cinema-poesia de Joaquim Pedro de Andrade: passos da paixão mineira” (Appris Editora) e de “Liturgia da pedra: negro amor de rendas brancas” (Alameda Editorial). Além disso, é tradutora de textos literários e acadêmicos e também pesquisadora em História do Cinema Brasileiro, com foco em documentários.

Ficha do Trabalho

Título

    Memória e identidade nos documentários de Joaquim Pedro de Andrade

Resumo

    A obra de Joaquim Pedro de Andrade sempre teve estreita relação com a cultura nacional. Influência, talvez, de seu pai, Rodrigo M. F. de Andrade, diretor e fundador – junto a Mário de Andrade – do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) -, e da intelectualidade com que conviveu e cresceu. Afilhado de Manuel Bandeira e sobrinho de Afonso Arinos, seu interesse por registrar personalidades e símbolos caros à cultura nacional, atravessa tal filmografia cujo cerne é a memória.

Resumo expandido

    Esta pesquisa parte da reflexão sobre a identidade nacional a partir de três filmes de Joaquim Pedro de Andrade a fim de apreender a memória que permeou sua obra com ênfase nos documentários que a inauguram e concluem entre as realizações de ficção versando sobre diversos âmbitos da cultural brasileira – desde a popular até a erudita – tendo como palcos Minas Gerais, terra de seus familiares; e Rio de Janeiro, onde nasceu e desenvolveu sua filmografia. Entre “Garrincha, alegria do povo” (1963) e “O tempo e a Glória” (1981), decorrem quase 20 anos em que o cineasta ratifica seu interesse por um cinema traduzido pelo registro de seus colegas em “Improvisiert und Zielbewusst ou Cinema Novo” (1967), quando divulga os bastidores daquele novo cinema nacional e seus principais realizadores. Esse documentário será pautado pelas dificuldades técnicas, de veiculação dos filmes e também pela tentativa de diálogo com o público, muitas vezes, ausente das salas de projeção. Uma grande problemática a rondar o cinema brasileiro.
    Ressalta-se, porém, a forte tendência dessa obra em se voltar às artes brasileiras de maneira geral assim como para sua memória e preservação, seja na literatura ou no interesse de seu realizador pelo país e sua decifração, seguindo inclusive os passos de artistas do Modernismo e da geração de seu pai, Rodrigo Mello Franco de Andrade. Este, intelectual e fundador, junto a Mário de Andrade, do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937. Assim, tal inclinação da obra está vinculada a uma herança permeada pela documentação visual de símbolos caros ao país. Desde 2005, muitos desses filmes estavam quase perdidos, mas foram restaurados junto à Cinemateca Brasileira (SP), a partir de vários copiões reunidos entre Europa e Estados Unidos. Hoje todo o material está acessível ao público em DVD. E o acervo completo do cineasta pode ser encontrado na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro – uma referência nacional entre os museus para preservação e arquivamento de obras.
    Assim sendo, torna-se necessário marcar a influência do cineasta no cinema direto e no cinema verdade realizado no Brasil, seja devido ao contato de Joaquim Pedro de Andrade com Jean Rouch e com os irmãos Mayles, por meio da obtenção de uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Junto a Fundação Rockfeller, o cineasta carioca consegue a doação de um gravador Nagra III e de uma câmera Arriflex 35mm para o IPHAN. A partir de então, junto a UNESCO, na Divisão de Assuntos Culturais do Itamaraty, envolve-se em um curso de cinema dirigido pelo documentarista sueco Arne Sucksdorff, uma espécie de divisor de águas com a introdução do cinema direto no país e um avanço no registro de imagens da época.
    Passadas quase duas décadas de tais inovações, o médico mineiro Pedro Nava, o mais importante memorialista brasileiro, é filmado por Joaquim Pedro pelas ruas do bairro da Glória. O cineasta procura desvelar a essência do relato do escritor, que reitera suas reflexões sobre a memória no documentário O tempo e a glória, marcando inclusive seus depoimentos como escolhas a romper com a ilusão de que a literatura ligada à autobiografia traz uma narrativa verdadeira e confiável. Mostra inclusive que o livro autobiográfico é pautado sobre aquilo que se pode ou deve ser revelado. Assim, voltar ao cinema verdade, com Crônica de um verão, de Rouch e Morin, talvez sirva para estabelecer uma reflexão profícua quanto à memória na permanência das imagens, ao considerar-se que um “eu metafísico” ou ontologicamente reverberado na natureza humana, tanto no cinema quanto na literatura, pode ser escamoteado. A personagem é sempre passível de assumir uma autoencenação até para si mesma. Assim como a memória plena de lacunas, por vezes, é preenchida e filtrada por recriações fictícias. Nesse sentido, as memórias de Nava, assim como o cinema documentário de Joaquim Pedro podem ser considerados um retrato ou um projeto de Brasil e identidade nacional?

Bibliografia

    ANDRADE, Joaquim Pedro de. Garrincha, alegria do povo. Longa-metragem/35 mm/P&B/70 min/1963.
    ________________________. Improvisiert und Zielbewusst ou Cinema Novo. Curta-metragem/16 mm/P&B/30 min/1967.
    ________________________. O tempo e a glória. Curta-metragem/NTSC/cor /9 min/1981.
    ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Rodrigo e seus tempos. Rio de Janeiro, Fundação Nacional Pró-Memória, 1986.
    ARAÚJO, Luciana Correa de. Joaquim Pedro de Andrade: primeiros tempos. São Paulo, Ed. Alameda, 2013.
    BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.
    JOHNSON, Randal. “Joaquim Pedro de Andrade: The Poet of Satire”, in: Cinema Novo x 5 – Masters of Contemporary Brazilian film. Austin, University of Texas, 1984.
    NAVA, Pedro. Balão Cativo, Rio de Janeiro, José Olympio, 1973.
    RAMOS, Fernão. Mas afinal… o que é mesmo documentário? 2ª ed. São Paulo, Ed. SENAC, 2013.
    XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento. São Paulo, Brasiliense, 1993.