Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Neli Costa Neves (UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutoranda em Multimeios pela UNICAMP, mestre em Ciência da Arte pela UFF, bacharel em Comunicação Social (cinema, jornalismo) pela UFF. Curta-metragista, editora cinematográfica, continuísta, com vários trabalhos no cinema e na televisão.

Ficha do Trabalho

Título

    IDENTIDADE DE RESISTÊNCIA NO CINEMA DE NELSON PEREIRA DOS SANTOS

Resumo

    Em muitos dos filmes de Nelson Pereira dos Santos, há ênfase em temas como etnicidade e mestiçagem. A partir do cinema desse diretor, tendo como objeto de estudo a fita Tenda dos Milagres (1977), este trabalho propõe uma refexão sobre as disputas identitárias, religiosidade afro-brasileira e as estratégias dos afrodescendentes na luta contra a desumanização. Para isso, utilizaremos o conceito de “identidade de resistência” (NASCIMENTO, 2003) e o embasamento teórico de Nascimento e Schwarcz.

Resumo expandido

    Em muitos dos filmes de Nelson Pereira dos Santos, há ênfase em temas como etnicidade, mestiçagem, e uma constante reflexão sobre a vida social e política do país, priorizando histórias da população desvalida do meio rural ou das margens dos centros urbanos, onde o homem negro tem importante protagonismo. A postura do diretor se coaduna com o pensamento do sociólogo Guerreiro Ramos que diz: “negro é povo, no Brasil. Não é um componente estranho de nossa demografia. Ao contrário, é a sua mais importante matriz demográfica” (RAMOS, 1957, p.157).
    Nos anos 70, o realizador se descola do viés sociologizante das suas primeiras películas, e se empenha numa conexão com os “valores populares” que, conforme preconiza, devem ser apresentados usando a “linguagem da emoção” e sem críticas ao povo que, apesar de experienciar enormes dificuldades cotidianas, consegue “manter intacto o capital da vida” (SANTOS apud BERNARDET, 2014, p. 241) .
    Este trabalho tem como proposta refletir sobre as disputas identitárias e o papel da religiosidade afro-brasileira a partir da narrativa cinematográfica de uma das obras de Nelson Pereira, o filme Tenda dos Milagres (1977), baseado no livro homônimo de Jorge Amado. Procuramos trazer para discussão alguns dos pontos que permeiam a representação fílmica e que podem ser compreendidos como a participação do negro na edificação da nação, as estratégias de sobrevivência dos afrodescendentes pressionados por valores da sociedade hegemônica, a incorporação da religiosidade como forma de resistência contra o aculturamento de caráter “colonizador” e a violência do racismo, que teria sua essência “na negação da humanidade do negro” (NASCIMENTO, 2003, p. 54).
    No filme, são destacados ficcionalmente os embates de uma população negra e mestiça que intenta vivenciar sua religiosidade de matriz africana, “fonte vital de continuidade cultural, solidariedade comunitária e organização política” (STAM, 2007, p.421); os aspectos do Candomblé se apresentam na constituição dos sujeitos, e a temática religiosa afro-brasileira se torna um dos pontos estruturais da narrativa e do discurso fílmico.
    A fita é composta por duas tramas que se relacionam e entrecruzam, tendo como pano de fundo a cidade de Salvador, na Bahia. A narrativa recria o início do século XX, mostrando situações vividas pela sociedade baiana impactada por teorias raciais que se outorgam o poder de verdade científica, rotulando os negros como “inferiores” (SKIDMORE, 1976, p. 75) e dando aval para a perseguição de seus terreiros, o impedimento de suas manifestações religiosas e a desqualificação de sua produção intelectual. Para Lilia Schwarcz, a “realidade mais profunda do racismo” é que ele institui um sistema de desigualdades que atinge todas “as esferas e políticas da produção de diferença”, isto é, “justiça, nascimento e morte, trabalho e lazer” (SCHWARCZ, 2012, p.76-77). Em contraposição às atitudes de segregação, há a presença do protagonista Pedro Archanjo, qualificado por um dos personagens como “pardo, paisano e pobre”, estudioso da cultura de seus ancestrais, e que se insere junto ao povo da periferia na luta pela legitimação das práticas do Candomblé e pela gerência de seu destino, advogando a causa da miscigenação como uma esperança de harmonização do país.
    A comunidade baiana enfocada, comporia o que Elisa Larkin Nascimento chama de “identidade de resistência”, e que tem nos seus integrantes os “atores pertencentes a grupos desvalorizados ou estigmatizados pela lógica de dominação” que muitas vezes compartilham valores opostos aos das instituições que os oprimem (NASCIMENTO, 2003, p. 40) conseguindo, com esses padrões, manter um sentido de dignidade e de relação vigorosa com a vida.

Bibliografia

    BERNARDET, Jean-Claude. Cinema Brasileiro: Propostas para uma história. São Paulo: Editora Schwarcz S.A. 2009.
    ______.GALVÃO, Maria Rita Eliezer. O nacional e o popular na cultura brasileira: Cinema. Rio de Janeiro: Editora Brasiliense/ Embrafilme, 1983.
    NASCIMENTO, Elisa. O sortilégio da cor: Identidade, raça e gênero no Brasil. São Paulo: Selo Negro Edições. 2003.
    RAMOS, Guerreiro. Introdução Crítica à Sociologia Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Andes Ltda. 1957.
    SANTOS, Juana Elbein dos. Os nagô e a morte. Petrópolis: Editora Vozes. 1984.
    SCWARCZ, Lilia Moritz. Nem branco nem preto, muito pelo contrário: Cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Editora Claro Enigma. 2012.
    SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1976.
    STAM, Robert. Multiculturalismo Tropical. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. EDUSP. 2007.