Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Margarida Maria Adamatti (UFSCar)

Minicurrículo

    Margarida Maria Adamatti é doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Desenvolve pesquisa de Pós-Doutorado, com apoio da CAPES, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde também é professora do Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som (PNPD/CAPES). Participa do IntermIdia Project – “Towards an Intermedial History of Brazilian Cinema: Exploring Intermediality as a Historiographic Method” (UFSCar/UoR) e integra o Comitê Editorial da Revista

Ficha do Trabalho

Título

    Espaços híbridos entre o musical e o teatro no Ébrio de Gilda de Abreu

Resumo

    O Ébrio (1946) de Gilda de Abreu incorpora na forma fílmica a presença das duas mídias que deram origem ao projeto, a música e a peça de teatro, criando um intercâmbio difuso com o espaço cinematográfico. A partir da noção de intermidialidade enquanto espaço transitório, analiso como o final do filme retoma um tipo de duração atrelada ao in between. Essa alusão às duas mídias precedentes gera reverberações na configuração espacial, na composição dos planos, na montagem e no tipo de encenação.

Resumo expandido

    O Ébrio de Gilda de Abreu e Vicente Celestino integra um dos maiores projetos intermidiáticos do cinema brasileiro, seja por sua grande temporalidade, seja pela quantidade de mídias pelas quais passou. Ao longo de trinta anos (1935/36-1965), a mesma história do homem traído pela mulher, que se torna alcoólatra, foi lançada no rádio, disco, teatro, cinema, romance e telenovela. Se o trajeto inicial teve início com a canção de sucesso de Vicente Celestino nos anos 1930, a década seguinte assistiu à transposição para os palcos (1941) e para o cinema (1946). A comunicação analisa a cena final do filme de Gilda de Abreu, quando o famoso tenor e ator Vicente Celestino canta a música título. Nesse momento, a presença conjunta do teatro e da música aprimora um intercâmbio difuso e intersticial na forma fílmica, trazendo um simulacro da temporalidade desses suportes anteriores, num tipo de duração atrelada ao in between.
    A cena final no bar ocupa quase um terço da duração total do filme e pode ser pensada como momento síntese de referência ao espaço cênico, ao espetáculo musical e às relações fronteiriças entre ator, personagem e cenário, com reverberações no tipo de encenação. Adaptamos a noção de intermidialidade como lugar de passagem, zona fronteiriça ou espaço transitório (Pethö, 2011) para observar como durante o número musical a atuação de Vicente Celestino intercala a presença do astro e do personagem de maneira concomitante.
    A longa sequência começa quando Gilberto e seu amigo de bebedeira, Pedro, entram num bar para beber, mas sem dispor de dinheiro para sustentar o vício. Uma longa briga entre os clientes antecede a conversa deles com o dono do bar, até o início do número musical de Vicente Celestino dentro do filme. Para justificar diegeticamente a entrada da canção, surgem em cena dois casais ricos que vão até o Bar da Paz se divertir a custa do infortúnio alheio. Eles oferecem ao maltrapilho Gilberto (Vicente Celestino) uma garrafa de bebida alcoólica, caso ele conte a história de sua vida. Ao invés de relembrar sua trajetória com palavras, o homem bêbado toma um violão da mesa ao lado e canta a famosa canção O Ébrio, um dos maiores sucessos da carreira de Celestino. A cena possibilitava ao público ver e ouvir ao mesmo tempo o show musical em sua integralidade, especialmente para uma audiência sem acesso ao hic et nunc do teatro de revista e dos shows realizados pelo astro. Quando Gilberto canta, a voz, os gestos, a entonação e a postura não são mais a do homem bêbado, mas a do tenor com o famoso dó de peito. Num espaço intersticial entre o ator e o personagem, o ápice dramático recorre a modos híbridos, entre a ficção e uma encenação com ares documentais, cujos desdobramentos chegam ao tipo de atuação. Dessa forma, a longa sequência de 25 minutos transita entre formas diferentes de se relacionar com a composição espacial e a montagem, que são tema dessa comunicação. Com especial atenção à composição dos planos e à análise fílmica, observo as maneiras pelas quais a presença transitória e oscilante das duas mídias é incorporada à forma fílmica.
    À maneira de um jogo de estar entre lugares (Rajewsky, 2012), o entrelaçamento midiático cria uma alusão ao espaço cênico e musical. O transitar por essas duas mídias não faz referência somente ao trabalho de Vicente Celestino, mas também à trajetória anterior da cineasta. Desde 1933, Gilda de Abreu atuava no teatro de revista e no canto lírico. A partir de Bonequinha de Seda (1936) de Oduvaldo Vianna, ela iniciou seu trajeto no cinema, primeiro como atriz, depois como diretora do Ébrio; que foi seu primeiro longa-metragem. Esse percurso permite transpor a noção de in between à formação dos dois artistas envolvidos no projeto, analisando a trajetória conjunta deles como uma sucessão de transposições midiáticas.

Bibliografia

    ALTMAN, Rick. The American film musical. Bloomington: Indiana University Press, 1987.
    FEUER, Jane. “The self-reflective musical and the myth of entertainment”. In: ALTMAN, Rick (org.). Genre: the musical – a reader. London/Boston: Routledge, 1981.
    GLEDHILL, Christine. Stardom – industry of desire. London: Routledge, 1991.
    GUERRA, Guido. Vicente Celestino, o hóspede das tempestades. Rio de Janeiro: Record, 1994.
    PETHÖ, Agnés. Cinema and intermediality – the passion for the in-between. Newscastle upon Tyne, Cambrigde Scholars Publishing, 2011.
    RAJEWSKY, Irina. “A fronteira em discussão: o status problemático das fronteiras midiáticas no debate contemporâneo sobre intermidialidade”. In: DINIZ, Thaïs Nogueira; VIEIRA, André Soares. Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea 2. v. 2. Belo Horizonte: Rona Editora: Fale/ UFMG, 2012.