Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Marcia Antabi (PUC-Rio)

Minicurrículo

    Cursando Doutorado em Comunicação Social na PUC-Rio. Mestre em Fotografia e Mídias Relativas pela School of Visual Arts de Nova Iorque (1997) e jornalista graduada (1990), é professora de Edição em Audiovisual do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, desde 2001. É editora-executiva da TV PUC-Rio, núcleo de TV do Projeto Comunicar da mesma universidade. Diretora e editora de vídeos, fotógrafa, jornalista. Atuando na área de Comunicação

Ficha do Trabalho

Título

    A epifania dos arquivos abandonados e inacabados da Shoah

Seminário

    Montagem Audiovisual: reflexões e experiências

Resumo

    A importância da reutilização de filmes de arquivo produzidos durante dois períodos específicos da Shoah: na abertura do campo de concentração de Bergen-Belsen (1945) e no gueto de Varsóvia (1942). A partir dos documentários Memória dos Campos (1945) e Um Filme Inacabado (2010), restos de películas encontrados que sobreviveram à destruição atroz da cultura de um povo são revisitados e, durante a montagem, reconstroem uma nova memória cultural.

Resumo expandido

    Em junho de 2011, Georges Didi-Huberman fez uma visita ao museu de Auschwitz-Birkenau, na Polônia. Trouxe consigo três cascas de bétulas, algumas fotografias e indagações sobre a potência das imagens e a memória da Shoah. As bétulas (Birken) são as árvores que deram o nome ao maior campo de extermínio em massa do Terceiro Reich. O crítico e historiador da arte, neto de judeus poloneses executados naquele Lager , coletou três pedaços de casca de bétula, “três lascas de tempo. Meu próprio tempo em lascas: um pedaço de memória, essa coisa não escrita que tento ler, um pedaço de presente, aqui, sob meu olhos […]” (DIDI-HUBERMAN, 2017, p. 10). Diante dos restos, ele provoca uma questão primordial: “Eu morto, o que pensará meu filho quando topar com esses resíduos?”
    Os fragmentos de bétulas atravessaram o caminho do filósofo enquanto rastros de sinais aleatórios que o acaso deixou sem inscrição prévia; são vestígios sem intenção de transmissão ou de significação; não foram criados – como o são outros signos culturais – e sim, deixados ou esquecidos (GAGNEBIN, 2002). Nesse sentido, Didi-Huberman coleta para pensar o contexto histórico e político – a memória. O que restará das fotos que tiramos? O que resistirá de nosso arquivo? Serão imagens em risco de tornarem-se eternamente invisíveis?
    Em “Arquivologia: Walter Benjamin e as práticas do filme de arquivo”, Catherine Russell (2018), argumenta que muitos filmes de arquivo permanecem sob risco de desaparecimento em decorrência da falta de recursos, negligência ou deterioração. Para a teórica do cinema, a arquivologia como prática criativa experimental utiliza sistematicamente o armazenamento e o acesso ao material como gesto de escavação. Através de restos de filmes encontrados, pedaços reassociados revisitam e reacessam, constroem uma nova memória cultural e deslocam a memória oficial. A arquivologia é, portanto, uma prática da retomada do passado.
    As imagens dos arquivos de filmes esquecidos filmados durante a Shoah (nos períodos de 1942 e 1945), como rastros do acaso, atravessam o eixo da pesquisa em andamento. De acordo com Didi-Huberman (2012) nunca a imagem – e o arquivo desde o momento em que se multiplica – se impôs com tanta força em nosso universo estético, técnico, cotidiano, político, histórico. Em “A arqueologia do saber”, Foucault já fazia, em 1969, uma crítica do documento, indagando não apenas sobre o que eles queriam dizer, mas se eles diziam a verdade, se eram sinceros ou falsificados, autênticos ou alterados. O filósofo constatou que o que era tratado como linguagem de uma voz agora era reduzido ao silêncio e que o recurso para interpretar uma historicidade não-linear era perceber o arquivo como representação de uma “fronteira do tempo” (RUSSELL, 2018, p. 12, tradução nossa).
    Com isso, é possível pontuar algumas questões, tendo como base um dos documentos mais significativos do pensamento crítico de Walter Benjamin. A partir das teses do filósofo, “Sobre o conceito da História” (1940), atravessamos um momento em que as imagens do passado despertam centelhas de esperança em uma história descontínua e repleta de agoras. Tanto para Didi-Huberman como para Russell, Walter Benjamin é um fio condutor no sentido de nos debruçarmos: o que sobrevém quando o valor e a ética da realidade de imagens tão lancinantes passam a ser colocados em dúvida? Como olhar para essas imagens repletas de lacunas? As imagens dos arquivos de filmes considerados aqui impressionam. Didi-Huberman (2011) focaliza que, “nós queremos fechar nossos olhos, mas os mantemos arregalados” (p. 102, tradução nossa).

Bibliografia

    BAZIN, André. Montagem proibida. In: O Cinema: ensaios. 1ª edição. Editora Brasiliense, 1991.
    BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: 3ª edição. Editora Brasiliense, 1987.
    COMOLLI, Jean-Louis. A última dança: como ser espectador de Memory of the Camps. In: Devires, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 8-45, jan-dez., 2006.
    HUBERMAN-DIDI, Georges. Cascas. São Paulo: Editora 34, 2017.
    ______. Imagens apesar de tudo. Lisboa, Portugal: KKYM, 2012.

    ______. Opening the Camps, Closing the eyes. In: POLLOCK, Griselda; SILVERMAN, Max. Concentrationary Cinema. New York: Berghahn Books, 2011.
    FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 7ª edição, 2008.
    GAGNEBIN, Jeanne Marie. O rastro e a cicatriz: metáforas da memória. In: Pro-Posições – vol. 13, N. 3 (39) – set.-dez., 2002.
    LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes. 3ª edição. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra: 2016.
    RUSSELL, Catherine. Archiveology: Walter Benjamin and archival film practices.